Ejirou Kirishima

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Se houvesse um momento em que eu sentisse que todo o mundo desabaria sobre meus ombros, a primeira (ou talvez segunda, depois de mamãe) pessoa cuja ajuda eu imploraria instantaneamente seria Kirishima.

Por mais confortáveis que fossem suas palavras, sempre prontas para qualquer ocasião, o que eu mais gostava em tempos como esse era de sua presença em si. Ele esperava por longos minutos no portão da minha casa, se divertia ouvindo Ben - meu cachorro - latir como um louco e rodopiar no lugar pelo barulho da campainha e só ousava pisar para dentro quando eu dizia "Entra logo."

Como de costume, trazia uma bolsa térmica com alguma comida gostosa e quente dentro, preparada especialmente para mim. Teimava em dizer que tudo aquilo era graças aos seus dotes culinários, mas no fundo eu imaginava que ele havia passado pela padaria mais próxima e comprado o alimento mais barato.

— Por que você tá assim? - ele perguntou, quando nos sentamos no sofá.

— Assim como?

— Fala sério. - bufou. — Cê me chamou no meio da semana, do nada, e tá a toda hora olhando pro chão como se pedisse para eu te perguntar o que houve.

Esbocei um sorriso fraco.

— Uau, eu sou muito previsível.

Ele inclinou o pescoço para trás, encostando-se no estofado.

— Não é. Eu só te conheço demais.

Silêncio. Ainda que eu tivesse muitas coisas para gritar, sentia que não queria falar nada.

Emoções assim sempre me rondavam e eu fazia o possível para fugir delas. Entretanto, quando mesmo toda a minha força não conseguia impedi-las, elas vinham ao monte e ficavam por muito tempo.

Havia varios motivos precursores desses tipos de emoções e pensamentos ruins. Basicamente tudo na minha vida me incentivava de alguma forma a ser pessimista e ansiosa. Kirishima conhecia todos os detalhes, cada ponto fraco e, por mais que soubesse o que dizer, sabia também que nada iria ajudar de verdade.

Então apenas permanecia calado até que eu decidisse o que fazer: chorar como um bebê ou voltar a vida normal.

Naquele dia, era impossível fingir que nada estava acontecendo.

— Quer saber? - ele cortou o silêncio. — Vem aqui. - estendeu um dos braços para que eu me aproximasse.

— Pra que?

— Deita aqui.

Quem não iria querer deitar num peitoral daqueles? Óbvio que, naquela situação, eu não me toquei. Mas hoje percebo tamanha sorte que tive ao aconchegar-me bem próxima do seu corpo e sentir seus músculos latentes e voluptuosos.

Quase não cabíamos no mesmo sofá, e uma parte do corpo de Kirishima ficou suspensa e para fora, apoiando-se no pé firme que o impedia de cair no chão.

Ele riu com a cena e eu sugeri que deitássemos no chão.

— Você não tem uma cama? - falou, arrependendo-se logo após. — Porque aí tipo...

— Tudo bem. Vamos.

Acho que nenhum dos dois desejou quebrar a barreira que havíamos construído; uma barreira que impedia que ele tirasse sua camiseta mesmo querendo; que impedia que eu o encarasse e o admirasse deitado e pleno; que impedia que eu tocasse algo além do seu umbigo; que impedia que nos beijássemos ali mesmo, sem nenhuma pretensão.

Ou, talvez, ambos tiveram muito medo do que aconteceria depois que essa barreira sumisse.

Por isso, o máximo que fiz foi adormecer mais tarde em seus braços e agradecer por tê-lo ali. Ele acariciava meu cabelo como se tocasse algo muito delicado e precioso, e respirava fundo de cinco em cinco minutos.

Como eu, nunca havia ficado tão próximo e íntimo de alguém como naquele momento, e a probabilidade de não ter ideia do que estava fazendo era muito grande.

— Humph.

— O que foi? - perguntei.

— Eu tinha basquete hoje. - reclamou. — Não acredito que perdi para ficar aqui.

— Ue, pode ir embora à vontade! Ninguém está te obrigando a me fazer companhia e, além do mais, eu só...

— Cala a boca. - ele riu, com um sorriso gostoso no rosto. — Você fica muito na ofensiva. Relaxa um pouco. - as últimas palavras vieram como um sussurro no meu ouvido.

Não entendi o que aquilo significava. Acho que levei pelo lado errado, pois cai num sono profundo em seguida, acordando apenas mais tarde.

Vi o outro lado vazio e supus que ele já tivesse ido embora há muito tempo.

Era noite, e a casa estava escura. Andei pelo corredor até a sala de estar, ouvindo um zumbido da Tv.

Lá estava ele, dormindo desajeitado sobre o chão gelado, com o controle em cima da barriga e uma perna para cima, no sofá.
Meu coração tilintou com aquela cena. Por que diabos Kirishima estava sem camisa?

Aproximei-me gentilmente para olhá-lo e percebi gotas de suor escorrendo pelas bochechas rosadas até a nuca.

— Agora entendi. - murmurei.

Olhei seus lábios, finos e bem desenhados, - com certeza - muito macios e pensei se seria presa caso tentasse beija-los.

Outra vez, meu coração se apertou dentro do peito.
Era bom te-lo comigo, para me divertir nos bons momentos e me confortar quando eu mais precisasse.

Será que sentia o mesmo que eu? Ou nossa amizade bastaria, apesar de todas as outras coisas que poderíamos ser?
Mal percebi que, enquanto eu refletia, ele havia acordado e visto que eu secava cada parte do seu corpo.

— Se apaixonou. Certeza.

Eu reviro os olhos e dou um tapa em sua testa. Ele geme.

— Vamos comer... - começo.

— Você?

— ... Tô morrendo de fome. - franzi a sobrancelha. — Eu, o que?

Levantei-me e me virei para ele.

— Nada. - Kirishima sorriu.

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