CAPÍTULO UM

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Chovia muito naquela noite de sexta-feira, dezembro se iniciava e no estado do Amapá, o inverno fez sua primeira chamada avisando que agora, era tempo dele. O único hospital de emergências de Santana, a segunda maior cidade do estado, dava sinais de que, aquele seria o cenário perfeito, digno de um filme de terror. Paredes amareladas por conta do desgaste da tinta que outrora tinha sido branca, iluminação precária com algumas lâmpadas piscando ao longo do corredor; macas enfileiradas uma após outra ocupadas por pacientes tomando soro, aguardando atendimento, ou apenas esperando pela liberação do médico para só então, retornarem para as suas vidas cotidianas.

Janice Santinere era uma enfermeira muito dedicada, há anos trabalhava no Hospital de Emergências, mas por algum tempo, havia deixado de lado o seu trabalho no hospital para se dedicar ao que para ela, era a maior e mais prazerosa de todas as profissões, a maternidade.

Ela bem que admitia que, ser mãe, não era só se embriagar com o perfume das flores, tinha que encarar os espinhos também. As noites em claro, as fraldas sujas e as vezes o choro incessante do bebê, principalmente quando ela não sabia o motivo, a deixavam preocupada e muito mais cansada do que uma noite de plantão no Hospital de Emergências, porém, tudo era recompensado com o lindo sorriso de seu adorado bebê ao amamenta-lo.

Renato Junior se parecia em tudo com o pai, pele branquinha, olhos verdes e cabelinhos aloirados, até o doce sorriso nos lábios rosados era igual ao do pai; diferente dela que, era uma bela negra de corpo esguio, volumosos cabelos afro e sedutores lábios carnudos.

Às vezes, Janice ficava indignada quando ao sair com Renato Junior, algumas pessoas tinham o descaramento de perguntar, se ele era mesmo filho dela. Mas Janice não costumava dar importância para esse tipo gentinha, ela estava feliz e sentindo-se plenamente realizada.

O sonho de ser mãe, era uma realidade que por algum tempo, a vida parecia não querer lhe permitir viver. Janice engravidou pela primeira vez aos trinta e dois anos de idade; mas por causa do descolamento de placenta, acabou sofrendo um aborto espontâneo, que a deixou muito deprimida por um longo tempo.

Foram dois anos de várias tentativas frustradas, até que conseguisse engravidar novamente. E desde o seu primeiro mês de gestação, ela estava afastada do trabalho, por recomendações médicas. Passou os nove meses de gravidez em repouso absoluto, mas não reclamou nem um pouco que fosse. Fez tudo o que precisava fazer para manter sua gravidez até o fim, realizando assim, o sonho da maternidade.

Finalmente ela estava vivendo a vida que sempre quisera. Casada com um marido apaixonado pela família, arquiteto de profissão, pai amoroso e dedicado. Morando em uma casa espaçosa no centro da cidade e dispondo de tempo para fazer o que mais gostava, escrever romances.

Janice amava seu bebê mais que tudo na vida, era o maior presente que Deus lhe dera. Aquele pedacinho de gente que crescia forte e saldável, enchendo de alegria os seus dias. Porém, como se fosse uma maldição da qual não pudesse escapar, a vida mais uma vez, tirou de Janice a sua maior razão de viver. Uma doença chamada meningite, levou para sempre, o seu adorado bebê.

Janice viu todo o seu mundo desmoronar como um alto prédio sendo implodido até restar apenas poeira e escombros. A profunda depressão que a acometeu naqueles tempos de escuridão, a transformou em uma mulher reclusa, amarga e ressequida por dentro. Seu casamento, antes tão perfeito, não resistiu a tamanha provação e também acabara para sempre.

Renato bem que tentou salvar a relação do casal, fazendo tudo o que estava ao seu alcance para ajudar Janice a se recuperar, mas parecia que ela, não queria ser ajudada. A profunda depressão de Janice, o estava levando para um poço sem fundo. Um buraco escuro do qual talvez, não fosse possível retornar. Já que, ele mesmo também estava sofrendo muito, pois sentia que não tinha perdido apenas seu filho, mas também, sua amada esposa; a qual tanto admirava por sempre ter sido uma mulher forte e obstinada, que nunca se entregava a derrota.

Tempos depois, os dois em comum acordo decidiram pelo divórcio. Renato mudou-se para outra cidade, prometendo que em breve voltaria para vê-la, pois, mesmo estando separados, ele nunca deixaria de ama-la. Janice por sua vez, insistiu que precisava ficar sozinha, que não sabia por quanto tempo mais, seu luto duraria. E assim, os dois tomaram rumos diferentes na vida. Aquela noite chuvosa de sexta-feira, era o seu primeiro dia de volta ao trabalho, desde que sua vida entrara em decadência, e pelo jeito, não seria uma noite fácil de aguentar.


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