O Conjunto Habitacional Moradia Para Todos, consistia em três prédios de dez andares, cada andar era composto por quatro apartamentos, um de frente para o outro. Janice morava no Bloco-B, no andar térreo, apartamento B-1. E o único morador com quem tinha amizade, era com seu vizinho do apartamento ao lado, e o mesmo, era o porteiro do prédio.
Seu José, um distinto senhor de cinquenta e dois anos de idade, separado da esposa, morava sozinho. Mas todos os fins de semana, seus dois filhos de treze e quinze anos, ficavam sob os cuidados dele. Por volta das 6:30hs, seu José já estava de prontidão na portaria, recepcionando todos que entravam e saiam do prédio. Ele conhecia todo mundo que morava ali, e até alguns moradores dos prédios vizinhos.
Janice atravessou o hall de entrada do prédio e sentiu falta de seu amigo, que por algum motivo, não estava tomando conta da portaria. O senhor gorducho de ralos cabelos lisos penteados de lado tentando esconder a vasta calvície, sempre a recebia com um alegre sorriso no rosto. Para seu José, não existia tempo ruim, se ele tinha algum problema, deixava trancado dentro de casa; pois nunca se via tristeza ou raiva em seu semblante.
Quando Janice estava colocando a chave na fechadura da porta, ouviu gritos vindos do apartamento de sua vizinha de porta. A princípio até que não estranhou a gritaria, pois a vizinha tinha o costume de só falar gritando com seu único filho, um bebê de dois anos de idade, que quase não falava; mas era uma criança muito imperativa, e ao menor descuido, já estava aprontando alguma peripécia. Janice abriu sua porta e já ia entrando em casa, quando ouviu mais um berro. Dessa vez, parecia um grito de dor, ela então, decidiu bater na porta da vizinha.
— Vizinha, a senhora está bem? Como é mesmo o nome dela! — Pronunciou baixinho as palavras, tentando lembrar o nome da vizinha.
A resposta para sua pergunta, foi mais um grito. Janice passou a mão na maçaneta e a porta abriu quase que por si só. O bebê estava na sala, sentado sobre um velho tapete vermelho com detalhes pretos, assistindo desenho animado na tela de um celular. Ela deu uma rápida olhada para ele, e sem dizer nada, seguiu para o banheiro que era de onde vinham os gritos.
Todos os apartamentos eram iguais, com sala, cozinha, dois quartos, um banheiro e uma pequena lavanderia, que ficava do lado de fora nos fundos do apartamento no que era para ser, uma sacada. Toda gradeada, a lavanderia servia não apenas para os varais de roupas, mas para tomar banho de sol, fazer um churrasquinho com os amigos, e tudo o mais que fosse possível realizar naquele estreito espaço. Janice particularmente, gostava de sentar lá ao entardecer, para escrever vendo o pôr do sol.
— A senhora está bem, vizinha? — perguntou mais uma vez, empurrado devagar a porta do banheiro, meio que com medo do que pudesse encontrar, já que os gritos tinham se tornado, gemidos de dor.
— Meu Deus, você está dando à luz!! — Janice estendeu a mão a frente, desligando o chuveiro.
A vizinha estava sentada no chão do banheiro, com os joelhos flexionados e as pernas abertas. Deu um berro quando mais uma contração a tomou.
— Já estou vendo a cabecinha, força! Está nascendo!! — Janice, ajoelhada diante das pernas abertas da mulher, segurava seus joelhos.
Sem tempo para fazer muita coisa, Janice lançou mão numa toalha de banho que estava embolada sobre o assento do vazo sanitário, e antes que pudesse fazer o que quer que fosse, o bebê deslizou para os seus braços, tão rápido como se estivesse só esperando ela chegar para o amparar.
— É um menino, que lindo! — ela disse, segurando-o a sua frente.
Janice envolveu o pequenino na toalha e o colocou sobre a barriga da mãe, que parecia aliviada.
— Você tem uma tesoura, barbante, álcool? — inquiriu Janice.
— Sim, lá no meu quarto. É o que está com a porta aberta.
Janice correu até o quarto, e não demorou para encontrar os objetos de que precisava. A casa da vizinha era bem organizada, e no quarto, os objetos pequenos ficavam guardados dentro de potes de vidro com tampa, e serviam como porta-trecos, estavam sobre uma pequena penteadeira. Janice entrou novamente no banheiro, jogou álcool na lâmina da tesoura, amarrou o barbante no cordão umbilical, e depois cortou. Verificando se estava tudo bem com o bebê e com a mãe.
— Vou levar o bebê para o quarto e já volto para ajudar você com a placenta.
— Não precisa, deixa que eu me viro. As roupinhas do bebê, estão sobre a cama, por favor, vista-o para mim. — A vizinha falava com um pouco de dificuldade, cansada pelo esforço que acabara de fazer ao dar à luz.
Janice assim o fez. Limpou o bebê e o vestiu com um lindo macacãozinho amarelo, que não deixava nem seus pezinhos de fora. Ela ainda estava abotoando a roupinha quando a vizinha entrou no quarto. E por incrível pudesse parecer, quase não dava sinais de que acabara de parir, a não ser pela expressão de cansaço no rosto.
— Muito obrigada — ela disse. — Eu nem sei o que dizer dessa situação.
— Que isso, quando chega a hora deles, não tem jeito, nascem mesmo. Eu juro que não sabia que você estava grávida. Por que não foi para o hospital?
— É uma longa história, quem sabe um dia eu te conto.
— Tudo bem, então. Olha, seu filho está bem, e pelo que vejo, você também está. Mas vocês precisam ir ao hospital, você sabe disso, né?
— Sim, eu sei. Depois eu resolvo isso.
— Se precisar de alguma coisa, é só me chamar, está bem?
— Obrigada, eu chamo sim.
Janice ajudou a vizinha a se acomodar na cama. E ela, logo deu de mamar ao filho, que faminto, pegou o mamilo sem dificuldade. O bebê de dois aninhos, entrou no quarto se acomodando ao lado da mãe.
— Oi rapazinho! Você ganhou um irmãozinho — disse Janice, passando a mão na cabeça dele. — Você tem uma família linda, sabia? — falou sorrindo para a vizinha.
— Obrigada — a vizinha respondeu, os olhos fixos no bebê, que mamava serenamente.
Janice se despediu dela e seguiu para o seuapartamento, indo direto para o quarto, deixando-se cair na cama. Estava tãocansada que não sabia como tinha dado conta de fazer aquele parto, em condiçõestão precárias.
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Abismo da Insanidade
KorkuO conjunto habitacional, Moradia Para Todos, passa a ser chamado de mal-assombrado quando, uma série de suicídios e mortes acidentais começam a acontecer entre seus moradores. Logo após uma criança de dois anos de idade quase perder a vida ao cair d...