Era fim de tarde e os últimos raios de sol refletiam nas águas do rio amazonas que se agitavam com certa ferocidade por conta da maré-cheia. Renato e Janice caminhavam de mãos dadas na calçada da orla de Macapá. Renato Junior sorria para Janice, balançando as perninhas gorduchas preso confortavelmente ao bebê-canguru.
Ela ainda contemplava o horizonte quando a imagem à sua frente começou a se dissipar ficando cada vez mais distante, até se transformar em um completo borrão. Seus ouvidos captaram um som familiar que logo tornou-se uma melodia, e então, ela despertou com o toque de seu celular. Janice enfiou a mão no canto do sofá, pegou o celular e atendeu, sem nem ao menos verificar quem estava ligando.
— Alô — Sua voz sonolenta não passava de um murmúrio.
Ela reconheceu a voz do outro lado da linha, era o diretor do hospital, dando uma notícia que a deixou um pouco surpresa.
— E quando eu começo? — perguntou, depois de ouvir atentamente. O diretor falou por mais alguns instantes.
— Tudo bem — Janice assentiu. — As seis da manhã, então.
Sua cabeça doía um pouco, nada que precisasse de algum medicamento. Aos poucos, cenas de tudo o que acontecera mais cedo, começaram a permear sua mente. Sentiu os batimentos de seu coração acelerar quando lembrou do bebê na caixa de sapatos. Naquele momento seu impulso foi bater na porta da vizinha, queria explicações para tentar entender o motivo que a levou matar seu próprio filho. Porém, antes mesmo de alcançar a porta de saída, sentiu-se fraca e meio zonza, como se tivesse levado uma pancada na cabeça. Depois de respirar fundo tentando se acalmar, seguiu até o banheiro, fez suas necessidades fisiológicas e tomou um banho frio. Deu uma rápida secada nos cabelos deixando-os à vontade; colocou um longo vestido de algodão com alegres estampas de girassóis e foi até a portaria falar com seu José.
— Boa tarde, seu José!
— Boa tarde, filha! Está se sentindo melhor? — Era visível o ar de preocupação no tom de voz do seu José.
— Tirando a dor de cabeça, estou bem sim.
— Mas afinal de contas, o que foi que aconteceu com você? — Seu José esfregava um pano no balcão de granito da portaria. — Sabia que estão chamando você de: a louca do bloco B!?
— Ai seu José! Eu preciso conversar com o senhor. Tenho que lhe contar o que aconteceu, ou eu acho que vou enlouquecer.
Janice estava de pé junto ao balcão da portaria, e foi surpreendida quando a vizinha apareceu de repente.
— Enlouquecer?! — disse a vizinha — Você já está louca! Como pode me acusar de ter matado meu filho? — Ela falou apontando com os olhos na direção do menino de pé ao seu lado.
— Abaixe o tom de voz para falar comigo que eu não sou surda — Janice virou de frente para a vizinha, ficando de costa para o balcão, pronta para se defender de qualquer agressão física. Ela já sabia que a vizinha tinha fama de ter um gênio violento e que não levava desaforo para casa. — Eu não acusei a senhora de nada, e além do mais, eu não me referia a esse filho.
Seu José, percebendo o rumo que aquela discussão estava tomando, saiu detrás do balcão e se pôs entre as duas mulheres, tentando acalma-las.
— Senhoras, o que é isso, senhoras!?
— Não tá louca, não. Tá é doidinha de pedra. E é você que tem que abaixar a crista aqui, porque comigo ninguém canta de galo, tá pensando o quê? — A vizinha falava apontando o dedo para Janice, tentando avançar nela, mas seu José a segurava com todo esforço que podia. — O único filho que tenho é esse aqui, sua doida.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Abismo da Insanidade
TerrorO conjunto habitacional, Moradia Para Todos, passa a ser chamado de mal-assombrado quando, uma série de suicídios e mortes acidentais começam a acontecer entre seus moradores. Logo após uma criança de dois anos de idade quase perder a vida ao cair d...