19:10, Sábado.
— O que deu? — Vitória perguntou, batendo na porta
— Dois positivos, um negativo e o outro escrito "Grávida". — tive um ataque de riso
Sim, eu fico rindo quando estou nervosa. E eu estou muito nervosa.
— As mulheres choram normalmente. — Vitória disse
Abri a porta e a encarei, tentando não rir.
— Eu sou virgem, esses testes estão errados. E se eu, realmente, estiver grávida, eu não sei se vou manter a gravidez. Eu nem me sustento direito, como vou sustentar outra pessoa?— eu disse
— Você não está pensando em... Abortar, não é, Milena? — ela me perguntou com receio
— Como você acha que minha mãe vai reagir quando souber que eu engravidei? E a minha vida? Eu não vou parar tudo por causa de uma criança. — eu respirei pesado
Abortar é algo pesado, mas às vezes necessário.
Saí do banheiro e fui para a cozinha, peguei o sorvete - que antes eu não queria -, enchi uma taça e comi tudo, entre lágrimas.
— Amiga, não faz isso, por favor — Vitória estava apavorada —, eu... Eu te ajudo, Mih. A gente cria ele juntas, mas não aborta. Eu te ajudo em tudo, amiga, por favor. — ela estava chorando — Minha mãe queria me abortar, amiga. Você acha que compensa? Ela tentou me abortar, só que não conseguiu, porque eu tinha que estar aqui. Então, não faz isso, por favor!
— Eu não posso carregar esse peso, entende? E outra, eu nem sei se estou grávida. Qual a lógica disso? Eu não posso estar grávida. — perguntei, colocando mais sorvete para mim
Aquilo estava mexendo comigo. Uma vida que ferraria a minha. Isso, se eu estiver grávida.
— Tudo acontece segundo a vontade de Deus, amiga.— Vitória me encarou, antes de ter uma crise de riso
Bipolar.
— O que foi? — perguntei
— O tio Eduardo vai ficar louco, se você estiver grávida. — ela limpou algumas lágrimas
— Talvez, ele nem fique sabendo. — abaixei a cabeça, limpando as lágrimas
Posso até imaginar meu pai chorando e fingindo um desmaio, quando eu contar para eles - se isso for verdade -, igual quando eu contei que tinha dado meu primeiro beijo, aos quatorze anos. Iria ser engraçado.
— Não — mordi meu lábio interior —, se for verdade e eu seguir com a gravidez, eles vão ficar sabendo apenas no Natal, quando eles virem para cá.
— Claro, até porque, o Natal é daqui cinco semanas. — Vitória fez o favor de me lembrar que o Natal está chegando
— Calada! — tomei mais um pouco do sorvete, deitando minha cabeça no balcão
— É, amiga. A vida é louca, amiga. Mas, você tem certeza que é virgem? Porque você não pode ter engravidado — ela estalou os dedos —, do nada. Será que você não foi imaculada? Não, isso jamais.
— Eu te juro, amiga. Por tudo o que é mais sagrado na minha vida. — ergui meu dedinho
— E agora? Quando você vai fazer o exame de sangue?— ela perguntou, se sentando a minha frente
— Eu preciso fazer isso o mais rápido possível. Eu... O que vou fazer da minha vida? Eu não vou ser uma boa mãe, essa criança vai me odiar. O aborto é a única solução. — eu solucei mais uma vez
— Vai dar tudo certo, amiga. Fica calma, não faça nada antes de pensar. — a Vitória conselheira, me olhou, com aquele olhar de ternura, me fazendo revirar os olhos
— Eu estou muito ferrada. — respondi, tomando o resto do sorvete
(...)
08:15, Quarta-Feira.
Eu já não tinha mais unha, não aguentava mais esperar para fazer o exame de sangue.
— Milena Arantes. — a senhora me chamou
Eu me levantei e andei até a sala, onde tinha a doutora, uma japonesa baixinha.
— Bom dia, Milena. — ela sorriu para mim —Sente-se naquela cadeira, por favor.
Eu me sentei e fechei meus olhos. É horrível tirar sangue, quando não se tem tanta veia.
— Mexa os pulsos em movimentos circulares.— ela pediu — Feche os olhos. — ela também pediu, e assim eu fiz. Ouvi alguns barulhos e ela sentou ao meu lado, começando a conversar comigo — Tem medo de agulhas?
— Não, só que eu não tenho tantas veias e isso acaba fazendo com que eu seja mais furada. — respondi, enquanto ela prendia meu cotovelo, para eu não mexê-lo
— É super tranquilo, Milena. — ela disse
A doutora ficou mexendo em meu braço, procurando veias.
— Você fez teste de gravidez antes? — a doutora me perguntou
— Quatro. Paguei quase oitenta reais em testes. Meu bolso doeu. — respondi
— Que testes caros! Eu comprei cinco e paguei cinquenta. — ela respondeu e eu senti a agulha sendo enfiada em minha pele
— Nossa! Eu fiquei aterrorizada quando os testes deram positivos, mas apenas um deu negativo, vai que esse negativo está certo. Eu não posso ter filhos agora. — abri um pequeno sorriso, tentando não pensar na quantidade de sangue que saiu de mim
— Raramente esses negativos estão certos, Milena. — ela disse, soltando meu cotovelo — Está pensando em abortar?
— É uma possibilidade, mas não sei. Posso sair daqui? — perguntei
— Espera um pouquinho. — ela se levantou e voltou alguns minutos depois, passando um algodão em meu braço e colocou um adesivo em cima do lugar onde ela furou — Agora sim, pode sair.
Eu me levantei, sem mexer meu braço.
— Em 24 horas fica pronto, Milena. Te ligamos avisando, tudo bem? — anuo
— Tudo certo. Até mais. — abri um pequeno sorriso e saí da sala, indo para o meu trabalho
(...)
12:05, Quinta-Feira
Eu entrei na sala, onde fiz o teste de gravidez, quando me chamaram.
— Boa tarde, Milena. — a doutora abriu um pequeno sorriso formal e eu o devolvi, me sentando em sua frente
— Boa tarde — eu mordi minha língua, me segurando para não perguntar sobre o teste
— Aqui — ela me entregou um papel, presumo com o resultado do exame —, vou ser bem direta. Parabéns, senhorita Milena, você está gravidíssima.
Essas foram as últimas palavras que eu ouvi, antes de desmaiar.
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Inesperadamente
أدب نسائيINESPERADAMENTE ☆ A vida de Milena não era uma das melhores, mas tudo cooperava para que as coisas melhorassem. Ela trabalhava no fórum, servindo cafés e a noite, estudava Administração. As coisas estavam monótonas, até ela ir ao ginecologista, fa...