Na Última Prateleira

Capítulo 1

O grande portal da biblioteca não era visto por Duncan por mais de um mês, o cheiro dos livros invadiam suas narinas e o grande silencio relaxante do lugar abria um grande sorriso em seu rosto. Passar por aqueles corredores o fazia lembrar do quão bom era estar num lugar pacifico como aquele. Duncan ao passar pela seção de romance, tateou os livros com delicadeza e colocou um deles que estava de ponta cabeça em pé, para que a procura dele não fosse dificultada.

- Boa tarde Dotty! Muito bom ver você hoje, segunda não era sua folga?- indagou Duncan entrando em uma pequena sala nos fundos da grande biblioteca, onde os funcionários casualmente usavam para descansar.

- Puxa Duncan, você não sabe o quanto fez falta viu, tive que mudar meu horário para cobrir as suas férias- disse a mulher de cabelo chanel negro, chacoalhando uma xícara de chá - Ainda bem que voltou, aquelas crianças já estavam me deixando louca!

- Espera, você ficou com as crianças? Jurei que quem ia ficar com elas seria a Fran...

- A Fran se aposentou quando você estava fora, ela mandou um beijo pra você e disse que virá visitar a biblioteca sempre que possível.

- Nossa, que bom que ela finalmente conseguiu, fazia tempo que ela tentava, uma pena eu não estar aqui pra me despedir. - disse Duncan pendurando sua bolsa na parede e amarrando seu avental azul - Mas e então quem vai tomar o lugar de gerente?

- O Kyle, começou quarta passada, está suportável por enquanto, mas não acho que isso vai durar muito tempo.

- Sabe, eu não sei o que você acha tão chato nele, pelo menos ele é um gatinho- Duncan sorriu e Dotty quase cuspiu o gole de chá que havia tomado.

- Não sei onde você acha beleza naquele cara- disse ela indignada.

- Bom, gostos...- disse Duncan abrindo a porta- Vou trabalhar, to com saudade de empilhar livros em suas prateleiras corretas.

- Vai lá, boa sorte- Dotty elevou sua xícara em sua reverencia.

Duncan assim que saiu da sala foi diretamente às mesas usadas para estudo e leitura que haviam espalhadas por toda a biblioteca, que não era pequena. "Um, dois, três, como tem tanto livro espalhado por ai se nem temos tanto fluxo de pessoas por aqui?" indagava-se ele enquanto empilhava livros em seus braços. Muitos livros de física quântica haviam sido deixados encima das mesas próximas a sala de descanso, Duncan os estava organizando em suas prateleiras quando é interrompido por uma voz familiar.

- Duncan meu colega, quanto tempo né?- cumprimentou Kyle, indo em direção a ele com seu carrinho carregado de livros.

- Oh, olá Kyle, como vai?- respondeu Duncan, com um sorriso no rosto encaixando o último livro na seção de Física.

- Vou bem, vou bem. Enfim, ficou sabendo da novidade? A Fran conseguiu se aposentar e agora eu sou o novo gerente!

- Ah sim, eu fiquei sabendo pela Dotty...- disse Duncan pegando alguns dos livros do carrinho.

- Entendi, mas não se preocupe, não pegarei pesado com vocês, vou ser um gerente tão bom quanto a Fran era.- Kyle ajeitou seus óculos e arrumou o crachá de gerente preso em seu avental.

- Bom, espero isso de você, meus parabéns- Duncan acenou com a cabeça e partiu atrás das seções de ficção e poesia que agora carregava consigo.

Trabalhar numa biblioteca pode não ser um emprego que muitos desejam para si, mas Duncan sentia prazer em estar em contato diário com todos aqueles livros. Desde a infância sempre foi instruído à leitura e ao estudo, sempre gostou de se perder em histórias fantasiosas e imaginar grandes aventuras. A biblioteca em que trabalhava era um castelo de conhecimento para ele, literalmente. A estrutura toda do local é um grande castelo medieval antigo, e para Duncan, era coisa mais incrível trabalhar em um lugar como aquele, o preenchia por dentro e o inspirava a continuar a ler e estudar mais e mais, tendo o apelido de "Matilda" entre o antigo pessoal do colégio. Hoje, em seus 19 anos, cursando letras em uma universidade de sua cidade, não esta mais que satisfeito com sua vida, a não ser a falta de alguém para compartilhar seus conhecimentos.
O sino das três da tarde foi ouvido ao longe, depois de duas horas apenas pegando livros e colocando em seus respectivos lugares, a hora do dia preferida de Duncan chegou. Ouviu-se na entrada gritos e risos de crianças, o pessoal da creche havia chegado. Duncan se dirigiu até a sala infantil da biblioteca, já procurando o livro que seria lido naquela segunda. Uma das professoras levou as crianças até sala, que vibraram ao ver que Duncan havia retornado. O garoto de cabelos negros e curtos se acomodou na poltrona já segurando um exemplar de "O Lorax" do Dr. Seuss enquanto os pequenos se organizavam em suas almofadas.

- Boa tarde crianças, sentiram a minha falta?- perguntou Duncan em um tom animado.

- Sim!- disseram as crianças em um coro extremamente fofo.

- Aquela tia Dotty era muito chata!- exclamou uma das crianças, Duncan deu uma risadinha sem graça e continuou.

- Bom, então estou bem feliz que tenham gostado da minha volta, e para comemorar, hoje eu vou contar uma história que eu sempre gostei muito, mas muito mesmo!- Duncan mostrou a capa do livro às crianças- O Lorax é uma história meio velha, mas que tem uma moral muito bonita...

Aquela hora se passou muito rápido, as crianças amaram a história e diziam que quando chegassem em casa, iam plantar arvores para o Lorax, fazendo desenhos incrivelmente fofos do que acharam da história, os pendurando em um mural que já estava cheio de outros desenhos. Era incrível como as crianças se entretinham com as histórias de Duncan, como se a forma com que ele contava as hipnotizassem e fizesse com que se acalmassem. Aquele momento era onde Duncan mais sentia prazer em trabalhar naquela biblioteca, transmitindo seus conhecimentos às outras pessoas, com morais que desde pequenos podem ser usadas para tentar mudar o mundo.
Duncan voltou as prateleiras, organizando-as e muitas vezes, foleando os livros antes de coloca-los em seus respectivos lugares. Horas e horas se passavam. Kyle o acompanhou com seu carrinho, para ajuda-lo a carregar os livros que viviam aparecendo fora de seus lugares, comentando que o fluxo de pessoas da biblioteca era baixo e que não fazia sentido tantos livros estarem fora dos lugares em todos os momentos do dia.
Dava seis horas da tarde, o sol já estava se pondo, a maioria dos funcionários já haviam saído, Duncan tirou seu avental e deixou-o pendurado onde normalmente o deixava na sala de descanso, quando ouviu alguém bater na porta.

- Sim, pois não?- perguntou gentilmente ao homem usando um topete e óculos que bateu na porta.

- Desculpa o incomodo, é que estou a procura de um livro e não estou conseguindo achar nesse grande labirinto de corredores- disse ele com uma voz tímida.

- Ah sim, poderia me acompanhar por favor?- perguntou Duncan fechando a porta, o homem assentiu, o seguindo até um dos computadores espalhados pela biblioteca- Poderia me dizer o nome do livro que procura?

- É "Magia para iniciantes" se não me engano- respondeu ele gaguejando um pouco, Duncan procurou no sistema da biblioteca, pensando que estaria na seção de ficção, mas estranhamente foi encontrado na seção de religião.

- Ok, o encontrei aqui, vamos buscar?- o garoto assentiu.

Ambos foram até a seção de religião, Duncan levando uma escada junto a si. Depois de vasculhar nas prateleiras debaixo e não encontrar o livro, ele subiu a escada e vasculhou cada canto da seção, subindo e descendo da escada diversas vezes, até que em uma parte remota da ultima prateleira de religião chamou sua atenção. O livro era grande e velho, ao ser retirando de seu lugar uma nuvem de poeira se formou, fazendo com que Duncan espirrasse graças a sua renite e caísse com o livro encima do homem. Duncan corou e saiu de seu colo rapidamente, entregando o livro em suas mãos.

- Bom, então ai está, o livro que me pediu...- disse Duncan constrangido- ...Você já possui carteirinha?

- Putz cara, eu não tenho desculpa...- disse ele envergonhando, coçando sua nuca envergonhado- Será que você poderia quebrar esse galho pra mim? Deixando eu levar ele hoje pra casa? Prometo que venho amanhã e faço, já que estão fechando- Duncan suspirou profundamente, talvez tenha sido a sua espontaneidade, sua beleza, mas Duncan não era de quebrar regras tão facilmente.

- Ok, eu faço isso por você, senhor...

- Miles...

- Miles, quando voltar aqui amanhã pergunte pelo Duncan, eles vão saber quem é, mas será apenas desta vez entendido?

- Entendido...- ele estendeu a mão e Duncan a apertou, com um sorriso sincero os dois se despediram.

Duncan no caminho de casa não tirou o livro e nem o garoto da mente, pensando no erro de catalogação que ocorreu na hora de colocar o livro no sistema, e principalmente, o que um homem de blusa xadrez tão bonito como aquele iria fazer com um livro daqueles...