DESEJOS

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De pé no balcão da cozinha enquanto escutava o burburinho das vozes do resto dos seus familiares lá da sala, Agatha escrevia sua lista de desejos para esse ano em uma folha azul, com sua fiel companheira: uma caneta roxa perfumada sabor uva:

1- Ser mais ousada

2- Se apaixonar perdidamente

3- Não ter medo do desconhecido

Dessa vez, sua expectativa não estava tão alta como o do passado, já que nada do que ela pediu, foi de fato concretizado.

Depois de pensar várias e várias vezes, decidiu agregar um item a mais a sua lista:

4- Ver uma aurora boreal de perto

Quando finalmente sentiu que estava completa, dobrou a folha cuidadosamente e colocou no bolso da sua jaqueta de couro preta.

— De novo com essa baboseira, Agatha? Quando você vai deixar de ser tão infantil, já tem o que? Dezesseis anos? – Carla, sua odiosa prima da cidade grande perguntou com desdém, apontando para o pedacinho do papel que sobressaia pelo pequeno bolso traidor. Elas costumavam fazer essa lista juntas, antes que a garota se mudasse para a capital. Mas depois que a prima se foi, Agatha continuou com a "tradição", já que isso a fazia se sentir calma em relação à sua vida em geral.

— Na verdade, tenho dezessete, Carla. – Respondeu com o cenho franzido sendo ovacionada pela risada extravagante da prima.

— Como diga, de qualquer jeito, você continua com aquela carinha ingênua que me lembro tão bem.

Agatha observou com os olhos arregalados à garota parada bem na sua frente, as palavras escapando da sua mente por alguns segundos.

— Ah, Aggie, você é e sempre vai ser a menininha caipira do interior. – Deu pequenos tapinhas no ombro da prima ainda muda, em um tom claro de deboche, arrancando faíscas da garota. Afinal, qual era o primeiro item da sua lista de desejos para esse ano? Isso mesmo, ser mais ousada!

— Quer saber Carla, vá se ferrar! Acha que pode vir até a minha casa e dizer essas coisas para mim? Pois saiba que eu estou pouco me lixando para o que você pensa, afinal, o fato de viver em uma cidade maior, infelizmente não lhe fará crescer esse cérebro minúsculo que você sempre teve! – Praticamente cuspiu na cara da prima que a olhava estupefata, com as mãos no coração, tão dramática como uma novela mexicana de baixa qualidade.

Antes mesmo de esperar uma resposta, Agatha saiu furiosa porta afora, arrancando suspiros de curiosidade do resto das pessoas ali presentes. Ao som dos gritos dos seus pais e tios, a menina correu o mais rápido que pode em direção à pequena praia que ficava a poucos quilômetros dali. Ela sabia que era uma loucura caminhar sozinha a essa hora, mas não ligava. Precisava de um tempo. Sua vida se resumia em obedecer aos pais e escutar calada as provocações da tia Marta, mãe de Carla.

"Carla conseguiu uma entrevista em uma agencia de modelos, isso não é perfeito? "

"Carla vai participar de um concurso na televisão, e você Aggie, o que vai fazer? "

"Você viu o namorado de Carla? É lindo e um perfeito cavalheiro. Pobre Aggie, ninguém a convida para sair não é mesmo? "

Agatha estava cansada disso. Já não queria mais ser motivo de chacota, ela nunca tratara mal a ninguém, não merecia tudo isso.

Exausta e com o coração a mil, finalmente o reflexo da lua sobre as ondas, chamou a sua atenção. Diminuiu os passos e tirou as sandálias ao chegar na areia completamente preta. Era um dos poucos pontos turísticos da sua cidade: as areias pretas da praia de Golden Hill.

Suspirou profundo ao sentir a suavidade dos pequenos grãos entre os seus dedos enquanto caminhava a procura de um lugar para sentar e observar o lugar dominado pela escuridão noturna.

Alguns minutos se passaram até que ela encontrou uma pedra completamente plana, como se tivesse sido entalhada para servir de banco aos renegados, assim como ela.

A brisa marinha tocava os seus cabelos e rosto, o cheiro salgado entrando por suas narinas, causando diversas sensações: calma, paz, tranquilidade e algo mais, algo que ela não podia identificar.

Fechou os olhos por alguns minutos e deixou-se induzir pela leveza do momento. Liberou sua mente de qualquer pensamento tóxico e propôs a si mesma, aproveitar o clima misterioso.

De repente sentiu que a atmosfera mudou, o vento estava mais forte e as ondas chocavam-se com a areia violentamente, como se estivessem irritadas com a sua presença naquele santuário.

Agatha abriu os olhos rapidamente, e instintivamente sua cabeça pendeu para o céu, justamente quando uma estrela cadente passava bem ali, diante das suas írises castanhas.

Sem perder tempo, fez um pedido silencioso ao universo: "queria que minha vida fosse diferente. "

Como para selar o pedido, fechou os olhos novamente, respirou fundo uma, duas, três vezes, e voltou a abri-los. Riu consigo mesma, por crer em tamanha bobagem. Balançando a cabeça ainda rindo, olhou as horas no celular e levou um susto ao perceber que já estava ali a quase meia hora. Ela precisava voltar para casa antes que seus pais fizessem a primeira denúncia de "garota desaparecida" do ano.

Pegou novamente a sua sandália, e empreendeu a caminhada de volta ao seu lar. Quando estava quase chegando na estrada, um brilho estranho na areia lhe chamou a atenção.

Moveu os grãos em volta do objeto com os pés e ficou maravilhada ao perceber que se tratava de um colar. Uma joia magnifica cheia de pedras de várias cores circuladas por um cordão de ouro como se fossem pequenas ramas deformes. Parecia ser muito antiga, porém estava em perfeito estado de conservação.

Abaixou-se para pegar o colar e poder observá-lo mais de perto, no entanto, assim que tocou o objeto algo completamente fora da compreensão humana aconteceu. 

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