Sentei-me no canto superior da mesa, observando o loiro que mantinha os braços cruzados no peito, Com a velha cara fechada. Não nego que a sua feição de "vou te matar", me cativa. Mesmo que eu deteste estar no mesmo local que ele.
— Izuku — começou a velha, saindo de um dos quartos, segurando uma espécie de livro, pequeno o bastante para caber na palma da mão. Por Deus, mais problemas não! — Sua mãe — continuou, só que agora diferente, sua mão tremia sobre as folhas velhas. — deixou isso para você.
Ela me entregou. E demorei um tempo para abrir, hora engolindo em seco, hora intercalando meu olhar entre o loiro e o papel amarelado entre meus dedos. Não sei ao certo porque aquilo me parou, mas parou. Tive a leve impressão que não seria uma leitura agradável. Nada agradável.
Então, abri a primeira página. Uma letra rústica, mas não difícil de ler — porém, deixava claro a pressa em que fora escrita. Minhas mãos passaram a tremer assim que li o primeiro verso.
Filho, me perdoe!
Não era isso que eu estava esperando. Talvez algo que me machucasse, talvez uma carta dizendo o porque de não me querer, ou sei lá o quê. Não um pedido de perdão, qual é?
Continuei
À lua estava cheia naquela noite, Quando ouvi seu primeiro choro, um som que eu poderia ouvir para o resto da minha vida. Tão pequeno em meus braços. Os seus olhos são verdes como os meus, e certamente você não irá crescer muito, me perdoe por isso. A nossa genética é assim, sabe? Eu não tenho muito tempo, mas o tempo que me resta preciso deixar registrado o quanto você é amado.
A letra perdia o formato conforme ela dizia que o tempo estava acabando, como se estivesse correndo para deixar registrado tudo o que pudesse. Respirei fundo, não querendo continuar aquela leitura torturante, quão menos permanecer ali, sob olhares curiosos diante minha provável careta de desgosto.
Você é um príncipe lupus com obrigações. Provavelmente eu não irei criá-lo, mas irei me assegurar que viva, mesmo que com a minha vida. Eu queria poder ver os seus primeiros passos, ouvir como vai ser a sua voz, e poder correr com você pelos campos, você iria adorar as pequenas praias que se escondem na floresta, assim como seu pai amava. Case-se com um alfa, tenha filhotes, reviva nosso clã.
Com amor, Mamãe.
Meus olhos se fecharam no mesmo instante em que a porta se abriu num estrondo, não me deixando absorver por completo o que eu acabara de ler. Era Shoto, que adentrou gritando algo como "Por que ele está aqui?" Referindo-se a bakugo —, mas meus pensamentos estavam longe demais para me importar com isso.
A única questão que me interessa é: O que eu estou fazendo aqui? Não é justo, é?
— Sei que deve estar sendo difícil — disse a velha, e neste momento não houve mais gritos. Eu a encarei, com as mãos trêmulas sobre o livro. — você retornou para nós porque era seu destino. Você é um ômega raro, um lupus — sua voz subiu duas oitavas quando pronunciou: "lupus" — O mais puro da raça e príncipe do seu clã. Não é maravilhoso?
Maravilhoso ela diz... em que parte? Em qual momento?
Sorri de canto, deixando uma lufada de ar escapar dentre meus lábios, a indignação tomou conta de meu ser, o qual já, anteriormente, fora apossado pela raiva e frustração.
— Não — cerrei os punhos e bati contra a mesa, levantando-me. — Não é. vocês acham que eu tenho algum tipo de obrigação com vocês? Que eu tenho que aceitar tudo isso?
A verdade é que eu sabia que era diferente, sempre soube. Bem, eu nunca me senti pertencente a nenhum lugar, então era como se o próprio lugar tivesse me achado, mas eu não queria. Eu não quero.