Nada estava sendo tão aterrorizante no castelo comunal de Irana quanto o pesadelo que toma conta do seu sono, fazendo seu corpo flutuante se contorcer inteiramente apontando freneticamente a varinha de um lado para o outro, enquanto sussurra palavras que não termina de pronunciar. Há muito não passava por algo semelhante, nem mesmo em sonho.
Um lampejo de luz conduz Irana diretamente para um lugar escuro; tudo indica que seja um porão e que ali não exista nada além de tranqueiras velhas. Vozes de crianças ribombam de todas as partes, apavorando-a. Um novo clarão acontece e agora ela está diante de um grande lago, de águas tão escuras que mais parecem resultar da mistura de petróleo observado por uma lua sombria. Visivelmente assustada, Irana procura sua varinha enquanto observa atentamente os arredores. Algumas árvores são tão aterrorizantes quanto as do seu sinistro jardim; há também uma relva alta, pouco verdosa, e um pequeno ponto cintilando na escuridão da mata... agora já são dois, três, quatro... não param de aumentar...
– Quem está aí?... Apareça! – Troveja Irana, num sobressalto de medo e coragem.
Os olhos cintilantes já preenchem todos os espaços do matagal. O frenesi de vozes das crianças pestilentas volta com toda força e elas caminham com as mãozinhas esticadas em direção à ela, querendo toca-la. Enquanto Irana tenta escapar das mãos que a perseguem, um brilho verde vindo do pescoço de um garoto se destaca em meio ao emaranhado de dedos e logo chama sua atenção, porém, antes que possa observar cuidadosamente o objeto, Irana é engolida por todas as mãozinhas. Assustada e com os olhos arregalados, a bruxa desperta e seu corpo é atirado imediatamente na cama, causando um leve levantar de fronha. A levitação só lhe é concebida enquanto dorme, entretanto, apenas grandes bruxos têm a capacidade de voar quando estão acordados, assim, por maiores que sejam os poderes de Irana, ela precisará de muito tempo para dominar esse tipo de magia. Ainda tomada por seus pensamentos, ergue-se imediatamente da cama e tenta decifrar o pesadelo que tivera há pouco.
– A Pedra Filosofal... eu a vi!
Olhando fixamente para a lua, que nunca dorme naquele mundo tão sem brilho como a do seu pesadelo, Irana deduz que precisará lançar algum feitiço no reino de Noel, mesmo antes de retornar, o que pode ser muito arriscado, pois, caso não obtenha sucesso, seus poderes poderão enfraquecer consideravelmente. Afasta-se da janela enquanto desliza sutilmente sua varinha espiralada no ar, pronunciando suavemente: "alvivado". Um fio de luz púrpura agiganta uma tela plana a sua frente, quase nas mesmas proporções da parede principal do quarto onde estão firmadas as duas serpentes, mostrando com riqueza de detalhes David, Anna, Sara, Ícaro e os três duendes às margens do rio, preparando-se para partirem, já com o dia claro e a fogueira sem o menor sinal de labaredas. Franzindo os olhos, Irana observa no pescoço do garoto de crina amarelada a Pedra Filosofal que vislumbrou enquanto dormia e um pensamento sorrateiro invade sua mente. Com outro movimento deslizante, as imagens parecem ser sugadas novamente para dentro da varinha.
– A Pedra Filosofal! Como conseguiram? Quem são aqueles garotos? E o que estão fazendo lá?
Incrédula, Irana dá voltas em torno de si e lembra-se da profecia que envolve a pedra verde-esmeralda.
– Então foi isso! Aquele duende asqueroso levou o velho idiota para a Colina de Gelo e depois atravessou o portal para a Terra, onde encontrou o garoto... "Somente um coração valente será capaz de devolver a vida para aquele que está prestes a cair no abraço da morte". Eu me preparei durante muitos anos para esse momento, não posso permitir que isso aconteça.
Irana ergue sua varinha e desliza-a com mais vigor em direção à parede, dizendo em meio ao clarão rúbeo que se forma: "Untactos!". Com uma ilusão perfeita, as duas cobras circinada se desgrudam lentamente do concreto negro deixando o brilho escamado de sua pele saltar aos olhos da bruxa, enquanto suas vértebras se constituem meticulosamente em duas extraordinárias serpentes, capazes de abocanhar de uma só vez um homem adulto.
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Para Sempre David
FantasyDavid é um garoto de apenas dez anos de idade e já tem pela frente uma missão digna de grandes super-heróis. Perdido da família e morando com outras três crianças em um parque de Londres, quase congelado, o garoto é encontrado por um duende à beira...