Desde que David e seus amigos chegaram a Sinoel seu rosto miúdo nunca esteve tão fechado e com tão nítidos sinais de cansaço como nesse exato momento. Agora, ele e Dom, trilham um caminho íngreme até o alto de uma montanha, que localiza-se a Colina de Gelo, onde todos os duendes e caribus que fugiram da destruição causada por Irana devem estar esperando pela ajuda da Pedra Filosofal. Durante o percurso, a neve é cada vez mais presente, diferentemente de antes, quando aparecia apenas salpicada nas folhas e entre os troncos das árvores. O silêncio tenta se impor na cansativa jornada dos dois, mas é frequentemente abafado por seus pequenos pés pisando e partindo galhos secos espalhados ao longo do caminho.
De um lado, algumas árvores gigantes desafiam a gravidade do declive; do outro, um abismo tão profundo quanto aquele em que a víbora despencou quando Dom astutamente escapou da terrível perseguição. Entre um lado e o outro há o estreito caminho que serpenteia toda a montanha, por onde o menino e o duende seguem calados. David não sentia tanta frustração assim desde que se perdeu da mãe na estação de trem. A todo momento pensa que poderia ter salvado os amigos do intento da bruxa... "Eu poderia ter lutado". Pela segunda vez na vida sente uma enorme impotência, como se sua alma tivesse sido sugada e suas forças houvessem minado. Mais uma vez, os mesmos questionamentos inundam sua mente: "O que terá acontecido com eles? Será que estão bem? Foram transformados em animais, objetos ou coisa parecida? Foram mortos? Devorados?", enfim, nunca se perdoaria, caso o pior tivesse acontecido. Apesar de tudo, David sabe que precisa ser forte, afinal, se tudo correr bem, conforme Dom lhe convencera, os amigos também estarão a salvo. Esse é o fio de esperança que guia seus passos agora.
Sempre à frente, Dom percebe um clima de desânimo pairando no ar. Também se dá conta de que não sabe quase nada sobre David, que agora caminha na sua retaguarda, e nota que ele já não está otimista como antes e, por isso mesmo, precisa de mais atenção.
– Sabe, David, de todos os seus amigos, você foi o único que não contou como se perdeu da sua família. Talvez este seja um bom momento para fazer isso, nos ajudará a passar o tempo até chegarmos à colina... o que acha?
Um estranho silêncio paira no ar por alguns segundos. David não parece estar com vontade de dizer uma palavra sequer, apesar de não haver nenhum problema entre eles. Na verdade, falta-lhe entusiasmo para relatar seu caso, apenas isso. Dom pensa que deveria ter guardado seus questionamentos para depois que tudo aquilo acabasse e eles estivessem bem. Por outro lado, talvez David não tenha escutado suas palavras ou esteja fingindo... de qualquer maneira, decide não abrir mais o bico até chegarem ao alto da colina.
– Era um dia normal como qualquer outro. – A voz murcha de David atravessa o vento frio e cortante.
– Eu não sei se já tinha acordado ou estava dormindo como um zumbi de olhos abertos sobre a cama. De qualquer forma, o dia já tinha clareado, mesmo com o sol escondido nas nuvens tumultuadas pela tempestade.
Os ouvidos de Dom ficam mais atentos e ele tenta reduzir um pouco a marcha.
– Desde que meu pai morreu, eu era o primeiro a despertar lá em casa. Minha mãe dormia profundamente até boa parte da manhã e antes que eu pudesse preparar o café meu irmão acordava e começava a chorar sem parar, mas nem seus berros histéricos eram capazes de fazer minha mãe despertar. – O garoto interrompe a história momentaneamente por conta da subida, respira fundo, recupera o fôlego e continua:
– Por causa disso, eu acabei assumindo a responsabilidade pelo café da manhã todos os dias...
– Então você preparava tudo, digo, mexia com o fogo? – Questiona Dom, gesticulando com as mãos.
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Para Sempre David
FantasyDavid é um garoto de apenas dez anos de idade e já tem pela frente uma missão digna de grandes super-heróis. Perdido da família e morando com outras três crianças em um parque de Londres, quase congelado, o garoto é encontrado por um duende à beira...