Parte 03

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- Eu não entendo, Elly. Você desaparece da minha vida e depois volta do nada e vem com a desculpa de que teve medo de si mesma. Como assim? - Ele franziu a testa, quase incapaz de compreender aquilo. - Se só veio aqui para isso, beleza. Poderia ter ligado! Ah, esqueci, você não tem mais a porcaria do meu número. Se é que tem telefone, não é mesmo?

Samuel bufou, fazendo menção a se levantar antes que se arrependesse por qualquer coisa que estava pensando em dizer.

- Samuca, por favor, não deixa as coisas piores do que já estão.

- Para mim ou para você?

Ela o encarou de repente, com o rosto molhado pelas lágrimas silenciosas. E, naquele momento, Samuel se arrependeu por ter sido um babaca insensível, mas o que ele poderia fazer? Estava irritado demais e magoado demais para medir palavras...

O suspiro que lhe escapou dos lábios foi como a deixa para um pedido de desculpas silencioso.

- Você estava certo quando disse que não tenho seu número mais e nem telefone. - Deu de ombros. - Perdi o aparelho quando fui para a casa da minha tia.

- Então era lá que você estava esse tempo todo?

- Sim. - Ela riu sem jeito, encarando aquele rosto um pouco quadrado que pouco a pouco adquiria uma expressão diferente a cada palavra sua. - E agora que já sabe do meu paradeiro, eu posso te contar os meus motivos?

O loiro fez que sim, cruzando os braços sobre o peito, sério, mas implorando que ela falasse aquilo de vez.

- Tudo bem, vamos lá.

Ela tomou fôlego, preparando-se para falar em voz alta à pessoa que ela mais amava no mundo.

- Eu gostava de como nós dois funcionávamos, sabe? A gente era amigo e companheiro um do outro, não tinha nada de rótulos para as pessoas se meterem na nossa vida. Era perfeito! - Riu, desfazendo sua alegria no mesmo instante quando aqueles olhos azuis a fitaram. - Nos beijávamos esporadicamente e não tínhamos pretensão de mudar isso. Mas aí... Bem, a coisa ficou mais séria e decidimos namorar e estava tudo bem, até você, hum...

- Me desculpe se esse não era o seu plano também. Eu só achei que poderíamos...

- Não, não é isso. - Balançou a cabeça. - Eu queria algo mais sério, mas eu tive medo. E sei que isso pode soar egoísta, pois eu deveria ter falado a você ao invés de ter juntado minhas coisas e dado o fora.

Samuel descruzou os braços, segurando a mão dela com sua mente já vagando imediatamente para aquele dia.

E foi como se de repente tivesse voltado no tempo, mas apenas como mero espectador daquela cena catastrófica.

O jogo já não estava tão animado quanto eles acreditariam que estaria para aquela Copa do Mundo. A Alemanha já havia feito cinco gols e ninguém mais acreditava que a Seleção Brasileira poderia virar aquilo. Os amigos já tinham se conformado com a derrota e desligaram a televisão, abrindo espaço na casa de praia para jogar algum jogo de cartas.

Elly e Samuel também se preparavam para entrar na brincadeira, mas antes disso, ele chamou a namorada para uma conversa. A conversa que mudaria a vida de ambos, independente do que acontecesse. E foi exatamente o que ocorreu, mas de um jeito ruim.

Samuca tomou coragem, deixando-a um tanto receosa com o que quer que fosse acontecer.

- Evilly, talvez esse não seja o melhor momento... Eu realmente escolhi o pior dia para dizer isso. Não me julgue, achei que a gente ia ganhar nessa porcaria... Mas, enfim, esquece essa última parte, ok? - Ele tomou as mãos dela, sentindo o coração acelerar por dar um passo tão grande em sua vida amorosa. - Eu só queria dizer que a gente já se conhece desde o Ensino Médio e que depois que esse tempo passou, e as espinhas também, e começamos a faculdade e finalmente começamos a nos olhar de outra maneira...

- Samuca, por favor. - Ela pediu, sabendo que aquilo não acabaria bem.

Mas ele continuou:

- E aí nos juntamos meio que de repente num relacionamento que só a gente entendia e estamos assim até hoje...

- Samuel... - Ela pediu, já sentindo o coração apertado e o pânico derrubando as barreiras que há algum tempo construíra.

- E, eu gosto muito de você, Elly. Na verdade, eu te amo e você sabe disso, mesmo eu não repetindo isso como faço com a senha do wi-fi quando tenho visitas. - Ele riu, encarando as mãos unidas e esquecendo-se completamente de focar no desespero estampado naquele rosto sardento. - E eu queria saber, só o que eu queria nesse exato momento, era se...

Ela sentiu o coração bater ainda mais descompassado no peito e só conseguia repetir a si mesma "por favor, isso não. Por favor!" e sentir que aquilo acabaria numa tragédia.

Ela não estava preparada para aquilo.

- Eu só queria saber se você aceita morar comigo e ser minha noiva para, quem sabe, a gente se casar algum dia. Você aceita?

Elly sentiu uma lágrima escorrer por sua bochecha ao se soltar dele. Partia seu coração o decepcionar daquela maneira, mas ela não podia aceitar. Não quando não estava preparada para um relacionamento tão sério quanto ele queria.

E foi então que ela tomou a decisão que não era esperada por ninguém, mas que talvez fosse a certa, pelo menos para si mesma.

- Me desculpe, Samuca, mas eu não... não posso aceitar. Não posso...

Disse, negando com a cabeça e recolhendo sua bolsa enquanto caminhava apressadamente para longe dali, deixando Samuel imóvel no mesmo lugar e sem a outra metade do seu coração.

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