Parte 04

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Elly mordeu os lábios, engolindo em seco enquanto encarava as mãos unidas e lembrava daquelas memórias dolorosas. Soltou um suspiro cansado, recolhendo as mãos mais uma vez, encarando-o nos olhos.

— Eu sinto muito por ter te decepcionado, mas eu não podia, Samuel. Eu não estava preparada para uma vida a dois, com mais responsabilidades e muito mais compromisso.

— Eu também fui idiota demais em não ter, sei lá, esclarecido muita coisa, mas eu achei que você queria a mesma coisa que eu, entende?

— Acho que esse é o meu problema: não deixo as coisas claras de uma vez por todas... — Desviou o olhar, fungando. — No fundo eu queria me casar com você, mas eu fiquei com medo de não dar nada certo e tudo se desfazer de uma hora para outra.

— Mas foi justamente o que aconteceu e a gente nem se casou!

Ela ficou muda com aquilo que poderia ter soado mais engraçado se Samuel não estivesse sendo sarcástico. Suas bochechas coraram e a ruiva teve um pouco de dificuldades para continuar.

— Eu fiquei com medo de a gente acabar igual a maioria dos casais e eu ser a maior culpada por isso. Fiquei com receio de mudar e me afastar de mim mesma. Eu fiquei com muito medo de não ser quem eu sou de verdade, entende?

— Você não é igual a sua mãe, Elly. — Ele suavizou a expressão, fazendo-a encara-lo nos olhos mais uma vez. Sorriu fraco ao dizer aquilo. — E você nunca será igual a ela.

— Como tem tanta certeza? — Ela choramingou e ele tomou aquilo como deixa para se aproximar. Ficando ao seu lado, segurando e beijando o dorso de sua mão.

— Porque, diferente dela, você pensa em você mesma antes de tomar qualquer decisão.

— Isso se chama egoísmo, Samuel.

— Todo mundo precisa de um pouco de egoísmo para ser feliz, Elly. Pode parecer estranho, mas é a verdade. A gente não pode se doar por completo para outra pessoa e não deixar nada para nós mesmos.

— Mas um casal precisa dividir tudo, precisa estar de acordo e...

— Então eu acho que a gente nunca foi um casal. — Ele riu de leve, olhando-a com tanta saudade. Ela ergueu um pouco o rosto, uma lágrima lhe escapando por ele ter compreendido.

— Obrigada, Samuel.

Elly o abraçou com força, enterrando o rosto em seu peito e sentindo-se ainda melhor quando ele a abraçou de volta.

— Um minuto... — Ela pediu, soltando-se e tirando o sapato.

— Que diabos você está fazendo?

A ruiva ignorou, desamassando o papel e assinalando um item da lista que jamais conseguiria realizar. E o último que faltava para completar seus desejos de fim de ano.

LISTA DE DESEJOS

Por Evelly

1. Visitar a titia depois de quase cinco anos sem trocar uma única palavra

2. Adotar um bichinho de rua e fazê-lo feliz

3. Doar sangue e perder o medo de agulha

4. Arrumar um emprego certo

5. Voltar a ter contato com meus amigos e passar o Reveillon com eles

6. Reencontrar Samuel e pedir desculpas por tudo


Elly encarou aquela folha de papel com um sorriso cheio de satisfação nos lábios. Estava feliz por poder completar aqueles desejos, principalmente aquele último item que fora o real motivo de ter voltado, seus amigos que a desculpasse.

— Você ainda faz listas de desejos, Elly?

Ela fez que sim, corando imediatamente quando ele tirou algo do bolso traseiro da bermuda branca — ele esperava ter mais paz no ano seguinte — e a mostrou. Era inacreditável como seu colar ainda estava intacto, principalmente depois de tantos anos sem vê-lo.

— Você achou! — A moça colocou as mãos na boca, sem conseguir acreditar naquilo.

— Hoje de manhã, quando vim aqui pensar um pouco.

Elly sentiu seu coração comprimir e se arrependeu amargamente de ter abandonado o cara mais legal e sensível e divertido que já conhecera. Sentira-se um lixo por deixa-lo escapar de sua vida... Mas talvez eles pudessem recomeçar, pelo menos poderiam ser amigos...

Levantou os cabelos, permitindo que ele colocasse o colar em seu pescoço e prometendo que nunca mais o tiraria dali. Encarou o coração partido com lágrimas atrapalhando sua visão, virando-se para Samuel.

— Eu nunca mais vou me separar dele, eu prometo. — Disse com a voz embargada.

— Garanto que a outra metade vai te impedir de se separar de mim também.

Ele sorriu, puxando para fora da camisa alva um colar igual ao dela, a outra metade. Samuel juntou as duas metades, transformando num coração completo outra vez.

— Só funciona com duas pessoas. — Ele disse, fitando aquele rosto agora sorridente e levemente avermelhado por conta do choro. — Mas só com a pessoa certa.

Um silêncio de compreensão preencheu a casinha da árvore, mas logo foi quebrado por uma contagem regressiva animada das pessoas ali embaixo.

— Dez, nove, oito...

— Samuel? — Ela disse ao se aproximar mais. Ele ergueu as sobrancelhas.

— Sete, seis...

— A gente pode recomeçar agora?

— Cinco, quatro...

E antes que ela pudesse fazer qualquer coisa, ele uniu seus lábios ao dela com toda a vontade que tinha naquele momento. E com todo o amor que carregava dentro do peito.

— Três, dois, um! Feliz ano-novo! Feliz 2015!!

O barulho dos fogos de artifício os fizeram sorrir durante aquele beijo apaixonado, mas não os interrompeu. Ele segurava sua nuca enquanto ela repousava as mãos sobre as bochechas dele, nem se importando com alguns fios de sua barba. Samuel queria ficar ali para sempre, beijando a garota que ele amava mais que tudo no mundo.

Agradecia tudo aquilo a aquela lista.

— Te beijar não estava incluso nos meus desejos. — Ela riu, interrompendo o beijo.

— Ah, é? — Samuca arqueou uma sobrancelha, passeando as mãos pelas costas de Elly e repousando em sua cintura. Ele depositou um beijo leve em seus lábios, fazendo pouco caso. — Então só é a gente adicionar isso aos desejos desse ano.

— Você tirou as palavras da minha boca.

Ambos riram, unindo-se num beijo mais calmo que só foi interrompido por um abraço apertado e carregado de juras de amor tão verdadeiras quanto a compreensão e amor que existia ali, naqueles dois.

Eles não se importavam com absolutamente nada, apenas que estavam um com a presença do outro. Eles estavam unidos outra vez e esperavam que dessa vez fosse para todo o sempre. Mais que tudo no mundo...

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