Parte 02

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Samuel só conseguiu pensar em duas coisas naquele momento: a primeira era de que Elly ainda continuava a mesma Elly de sempre (pelo menos aparentemente ela não mudara absolutamente nada, levando em conta que não se falavam desde a derrota do Brasil para a Alemanha, cerca de alguns meses atrás); e a segunda, de que havia sido uma péssima ideia ter dado descarga sem antes verificar fora do recinto. Péssima ideia!

Sentiu o rosto esquentar quando Elly mordeu os lábios, desviando o olhar para os próprios sapatos brilhantes. Samuca soltou uma risada, atraindo a atenção novamente para si. Sem saber o que fazer, mas conseguindo ser sensato o mais rápido possível.

— A gente precisa conversar.

— Eu vim justamente para isso. Não justamente, você não é o centro do universo e nem nada, mas...

Ela se enrolou com as próprias palavras, ficando da cor de seus cabelos amarrados em cada lateral da cabeça com fitas azuis. Samuel segurou em sua mão, conduzindo-a para um lugar que somente os dois entenderiam o significado.

— Vem comigo.

Pareceu até não existir nenhuma mágoa ou ressentimento para os dois, mas talvez isso apenas estivesse guardado para mais tarde, quando tudo fosse jogado no ventilador e esclarecido de uma vez por todas.

Estavam observando as estrelas da casinha da árvore já minúscula para duas pessoas adultas. Elly suspirou, fechando a janela e impedindo que sua companhia se distraísse com a animação dos amigos lá embaixo.

Ela caminhou corcunda até a outra ponta da casinha, sentando-se no chão e brincando com as ondas do vestido de todas as cores possíveis. Segundo ela, aquele vestido era sua melhor escolha para a virada de ano. Muitas cores significavam mais possibilidades de seus significados... pelas suas pesquisas superficiais na internet, não estava claro (pelo menos para ela) que deveria escolher apenas uma única cor para coisas boas acontecerem no ano seguinte. E não importava, Elly só ligava para a cor de sua alma, que era viva, alegre e tão singular quanto ela própria.

Respirou fundo, encarando as pulseiras que cintilavam à luz da lâmpada amarelada. Seu rosto não estava mais naquele tom corado de felicidade, dessa vez estava mais séria. Ele percebeu de imediato que, de fato, iriam ter uma conversa cara a cara depois daqueles meses de sumiço.

— Eu sei que não deveria ter sumido da sua vida como eu fiz e só ter reaparecido agora, mas eu precisava fazer isso. Você sabe que não gosto de começar o ano com mágoas e energias negativas, não é?

— Eu sei, foi por isso que te trouxe aqui. — Riu sem jeito, passando uma mão na nuca e quase completando "até porque ali dentro estava tudo, menos energizado positivamente. Começando pelo cheiro...". Mas ele fechou a boca a tempo de estragar tudo. Sentou à sua frente, continuando o próprio raciocínio. — Acho que aqui tem muitas lembranças boas. Acertei?

Elly fez que sim com a cabeça, tomando coragem para iniciar aquilo.

— Samuca, eu vim aqui porque realmente eu precisava te dar alguma satisfação. Tenho a absoluta certeza que você ainda está chateado comigo, apesar de você esconder isso muito bem...

— Olha, Elly, tudo bem. Já passou. Eu não...

Ele gaguejou, engolindo em seco quando sua companhia encarou-o nos olhos o mais intensamente que conseguiu. Ele sentia sim, alguma coisa por ela, mas tentava provar o contrário mesmo todos sabendo de sua real situação.

— Samuel, não precisa disso, ok? Não vou te julgar se estiver com raiva de mim, acho que é o mínimo que você deve sentir por mim agora. E, como uma forma de me redimir, vou dar a explicação que já deveria ter dado há muito tempo. Na verdade, deveria ter dito isso antes mesmo de a gente ter iniciado qualquer coisa.

Samuca desviou o olhar por uns instantes, com o coração já descompassado no peito só de aquilo ser mencionado.

Ela respirou fundo mais uma vez, com os olhos marejados por admitir aquilo em voz alta.

A Elly feliz e engraçadinha que todos conheciam tinha sumido de repente para a Elly medrosa e triste assumir o comando. Odiava aquela troca súbita, mas, infelizmente, necessária.

— Bom, e a única justificativa que consegui encontrar para te dar é bem clichê e totalmente fora do que as pessoas me rotulam. — Mordeu o lábio inferior, encarando-o com o coração apertado. — Eu fui embora porque tive medo.

Samuel estava tão confuso quanto seus amigos lá embaixo. Franziu a testa, levemente irritado por aquilo e por toda aquela conversa e aquele reencontro que jamais deveria ter acontecido. Óbvio que ele esperava ao menos uma justificativa plausível para aquilo, mas ele só não esperava que aquilo fosse dado em uma frase simples e que a palavra mais importante tivesse quatro letras...

Desde quando uma palavra tão pequena pode ser a única resposta para um quase desaparecimento? Pensou consigo mesmo, querendo ir embora dali, mas se deteve e deixou todos os seus pensamentos destrutivos de lado quando ela abriu a boca novamente.

— Me desculpe, mas eu não consegui. Simplesmente não consegui, entende?

— Não conseguiu o quê? Me amar o suficiente? — Samuel balançou a cabeça em sinal de reprovação quando a ruiva continuou calada e cabisbaixa. — Do que você teve medo, então?

A respiração desregulado que rapidamente ela adquiriu fez o loiro encara-la com mais atenção. E ele preferiria não a ter visto daquele jeito... Ele ainda a amava e vê-la chorar o matava por dentro.

E foi então que ela disse algo que deixou as coisas ainda mais confusas do que já estavam. Apenas uma frase, uma única frase, foi capaz de deixar Samuel ainda mais perdido.

— Eu tive medo de mim mesma, Samuca.

Por quê? Ele se perguntava. Por quê?

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