A Sociedade dos Telepatas

Prólogo

-Meistr, você tem certeza disso?

Perguntou sua fiel assistente, Ingrid, pela primeira vez desconfiada da conduta de seu chefe. Estaria ele muito idoso? Talvez sua saúde tinha começado a afetar seu discernimento. Entretanto, na sessão de terapia sua análise clínica estava ótima. Trocava o peso do corpo entre os pés sobre scarpins vermelhos e mexia no sobretudo nervosamente.

-Tenho sim, querida, absoluta. Existem ameaças à nossa sociedade, tanto externas como internas, que preciso controlar. 

Proclamou pacientemente, com o tom de voz decidido, sem deixar espaço para dúvidas. A secretária se assustou com a revelação, mas tentou disfarçar. Ele era sábio, muito além do que ela poderia compreender. Não era à toa que ostentava o título máximo da sociedade. Logo acatou sua decisão e foi providenciar as medidas necessárias. 

Ingrid deixou a sala agitada, enquanto Meistr fitava atentamente o horizonte turbulento do mar a sua frente, como se previsse os acontecimentos seguintes. Apoiado em sua bengala, analisava a paisagem como se pudesse tirar dela as respostas de todos os segredos do universo. Enquanto as águas castigavam o paredão de pedras escuras, vasculhava em sua mente todos os fatos que culminaram nesse ponto exato que tinha de tomar uma decisão. Só não conseguia prever as consequências dela. O tempo de reflexão foi interrompido com o abrir da porta, por onde entrou a figura imponente do General Maverick.

-Meu Senhor, em que posso servi-lo? - Perguntou com uma reverência e pompa artificial. Em seu rosto estava estampado um sorriso presunçoso. Provavelmente Ingrid deve tê-lo avisado acerca de sua tarefa, pensou o Meistr, com desagrado. Gostaria de ter outra opção, mas o General era certamente o mais capacitado.

-Maverick, meu caro. Temos uma situação incomum, mas creio que está à altura do serviço. 

O General mostrou-se atento, se vangloriando internamente por ter sido convocado para uma missão de tamanha importância como mostrava ter. Se isso significava ter que adentrar o Mundo dos Comuns, pela glória, valeria a pena. Ele apenas confirmou com um aceno de cabeça, e esperou o Mestre prosseguir.

-Preciso que auxilie uma nova admitida em sua missão, discretamente. Ela não pode saber que está lá. O seu sucesso é muito mais importante para nós do que somente sua admissão na Sociedade. Preciso que siga ela disfarçado, intervenha caso alguma batalha saia do controle, e lhe dê o suporte necessário para guiá-la pelo Mundo dos Comuns. 

Maverick por pouco não se exaltou. Pressionando dolorosamente sua mão em um punho fechado, as unhas por pouco não cortando sua pele, respirou fundo. Pensava que seria finalmente sua missão, sua conquista e vitória. Mas não, era apenas para auxiliar uma garotinha qualquer de dezessete anos, no mundo dos imundos. Discretamente. 

A glória não seria sua, era uma missão secreta. Ninguém saberia do que havia feito, como sempre.  E ainda teria de estar entre aquele povo inferior. Decidiu naquele momento que já odiava a adolescente. Mais uma vez o Meistr não concedia a ele missões que poderia lhe tornar o herói, que realmente pudesse provar seu valor. Aquele velho imprestável.

O sorriso, agora forçado, permanecia em seu rosto numa careta, repuxando a cicatriz de sua bochecha e se tornando assustador. O Mestre notou sua mudança repentina de postura e refletiu mais uma vez se devia mandar ele. Encarou seus olhos verdes furiosos com calma, mas preocupação. Agora era tarde.

-Mais alguma coisa, Meistr?

-Não, por enquanto é só.  Enviarei os planos para seu alojamento com as instruções. Pode ir - respondeu com um gesto o dispensando. 

-Ok, obrigado pela oportunidade, Mestre. - Retrucou, com certa ironia, e deixou o recinto transtornado. O ancião apenas ergueu os olhos novamente para o mar, repassando tudo o que aquela garota teria de enfrentar. 

"Boa sorte Aadya", falou em voz baixa para si mesmo.