PRÓLOGO - AQUELE DA CONVERSA

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Sabe quando parece que o lugar onde você está já te ofereceu tudo? Como se você tivesse parado no tempo. Nada de novidades, sem pessoas novas, os mesmos lugares de sempre e, aos poucos, o entusiasmo de viver naquela realidade fosse acabando e você desejasse sair dali e viver outra vida.

Marcella, uma amiga da escola, havia feito intercâmbio na Flórida e voltou com mil histórias para contar. Parecia que ela havia vivido um seriado digno de estar nos 99% relevantes do Netflix. Às vezes, eu acordava desejando estar numa realidade como a de Marcella, mas esses pensamentos me deixavam um pouco para baixo, então logo balançava a cabeça e tentava voltar para a realidade, minha realidade.

Meu quarto continuava bagunçado, mas confortável. Eu gostava dele do jeito que era, com todas aquelas fotos de paisagem tiradas por mim, as quais eu fazia questão de revelar e colocar na parede, e CDs empilhados na prateleira que faziam companhia aos livros de romance adolescente. Talvez meu gosto literário acusasse que, apesar do meu maior sonho fosse ser autossuficiente, eu também sonhava com um príncipe encantado.

Lembrei que aquele era o primeiro dia de férias do colégio. O terceiro ano do ensino médio tinha sido muito cansativo, com toda preparação e pressão em relação aos exames admissionais para as universidades, principalmente o ENEM. Era um alívio que os resultados dessas provas estavam longe de saírem, pois eu não estava tão animada em vê-los, tendo em vista que o que eu realmente queria não se encontrava no Brasil.

Já se podia sentir o cheiro de comida pronta. Percebi que tinha acordado tarde pelo barulho de talheres. Tinha tudo para ser um dia qualquer. No momento em que acordei, jamais pensaria em quanto aquele dia mudaria minha vida.

Finalmente tomei coragem de me levantar e descobrir o que as férias me guardavam. Olhei para o espelho e me deparei com uma imagem descuidada, típica da temporada de folga: Cabelos embaraçados e roupa larga. Eu era uma garota sem especiarias físicas, de cabelos castanhos, longos e ondulados. Mas, diferentemente das garotas da minha idade, eu não me sentia totalmente disposta a aceitar os padrões exigidos das revistas de moda, mas também não era completamente segura sobre o meu corpo. E meus olhos castanhos não negavam a felicidade estampada, pois era um dia de liberdade.

– Camila, já está acordada? – minha mãe interrompeu meu devaneio com um grito que ecoou por todo o apartamento.

– Mesmo se estivesse dormindo, eu teria acordado com sua linda e suave voz, mãe. – gritei de volta.

De repente, ela entrou em meu quarto com um sorriso empolgado no rosto, e isso me deixou definitivamente ansiosa. Mainha sempre me surpreendia com suas ideias malucas de férias, uma vez atravessamos metade do Nordeste com o jeep do meu pai puxando um bugue velho, foi incrível. Eu estava desejando saber qual seria a dessa vez.

– Nós precisamos conversar sobre seus estudos. – eu travei, realmente não era o que eu esperava falar sobre no meu primeiro dia de férias.

Por que ela iria querer discutir sobre isso? Eu nunca havia sido uma aluna ruim, sempre fui bem dedicada, porém nesse último ano meu emocional havia passado por uma verdadeira montanha russa, que resultou em notas baixas e diversas crises de ansiedade.

– O que aconteceu? – perguntei com uma expressão de horror no rosto.

– Nós estávamos conversando sobre o seu futuro e a oportunidade de conseguir entrar em uma universidade lá fora.

Durante todas as minhas crises emocionais, existenciais e todos os "ais" possíveis, fazer terapia foi a grande solução, e lá aprendi a criar metas e caminhos para tentar alcançá-las. Isso me ajudou bastante, meio que deu uma razão para passar por cima de todas as trapaças que minha própria mente tentava me colocar. Desde então, tento focar no meu maior objetivo: fazer uma graduação, muito provavelmente cinema, em algum país europeu, de preferência a Inglaterra.

– Vamos com calma. Me explica melhor. – não conseguia pensar direito.

– Nós sabemos que fazer faculdade na Europa é um sonho seu. Você sempre quis morar com sua prima, mas sempre tivemos receio dessa opção. Agora que você acabou o ensino médio, e nós vemos o quanto você amadureceu, estamos dispostos a fazer tudo o que for necessário para que saia do jeito que você sempre sonhou.

Acho que tudo que eu havia passado no ano anterior, teria feito minha mãe repensar a ideia de me mandar estudar na Inglaterra. Assim como Marcella, Duda vivia num seriado, mas seu enredo se passava em Londres. Um desejo me consumia toda vez que ela vinha ao Brasil nos visitar e me contava toda as histórias de seu colégio e cidade, me mostrando fotos dela e de seus amigos. Era tudo mais atraente, é incrível o quanto o "diferente" me entusiasma.

– Inclusive, nós conversamos com Eduarda, e ela disse que adoraria ajudar você com tudo por lá e te guiar no que fosse preciso. – minha mãe falou tranquilamente segurando minha mão.

Eu não conseguia falar nada. Aquele realmente era meu sonho. Eu mal conseguia prestar atenção em suas palavras, pois imagens minhas em Londres já estavam se projetando na minha cabeça como um filme. Já imaginou a quantidade de fotos maravilhosas que seria possível tirar naquele lugar?

– E então, o que me diz? – ela esperava por uma resposta. Porém eu não tinha uma.

Eu teria até janeiro para dar a resposta definitiva aos meus pais. Caso aceitasse, Eduarda disse que precisaria fazer um curso de inglês intensivo por seis meses para me preparar e não boiar nas aulas. O que acontece é que, no Brasil, uma pessoa passa 12 anos numa escola – se não reprovar nenhum, naturalmente –, enquanto na Inglaterra são 13 anos. Consequentemente, eu precisaria passar este ano numa escola inglesa para, então, entrar numa faculdade de lá.

Minha cabeça estava em um fluxo nada tranquilo. Por mais que eu quisesse uma nova realidade, eu tinha medo de enfrentá-la, principalmente depois de uma fase com o emocional tão abalado. Eu tinha medo de me jogar de cabeça nessa aventura e não conseguir me adaptar, porque uma vez tomada essa decisão, era definitivo.

Quando me deparei, já era janeiro. Minha família passou todo o período de festividade de fim de ano comentando sobre minha possível mudança. É surreal como minha mãe não consegue segurar as novidades. Depois de várias discussões, eu finalmente tinha feito minha escolha.

– Mãe, pai, podem preparar os meus documentos e me matricular em um curso: Eu vou para a Inglaterra.


Oi meninxs, estamos tentando fazer uma versão física do livro e já temos o roteiro para o segundo, para ficar por dentro de tudo, por favor nos sigam no nosso insta: @meuquaseseriadobritânico, seguimos todxs de volta! MUITO OBRIGADA! 

MEU SERIADO BRITÂNICOOnde histórias criam vida. Descubra agora