Encostei nela enquanto tentava me segurar Naquele vagão, onde pessoas cansadas voltavam do trabalho O olhar de nojo da mulher na minha frente Não foi a única coisa que eu aguentei aquele dia Ela queria que eu saísse Que fosse expulsa Excluída Jogada pra fora Sabe por quê? Por causa da minha pele Negra Do meu cabelo enrolado Do meu nariz largo Da minha boca carnuda Da minha alma impura Impura? Sim! Para ela sou lixo, sou escura, sou mulata Aquela que não tem direito Aquela que fica com as migalhas Aquela que aguenta o ódio da humanidade Mas ela esqueceu Que os tempos são outros Eu sou filha, neta e bisneta Daqueles que lutaram pela vida E eu faço a minha vida agora Ela esqueceu que o século é XXI Que meu cérebro Não é só mais Um Que as pessoas também acham isso Que enquanto ela grita, esbraveja e me diminui Tem alguém com um aparelho na mão Registrando o quanto as pessoas São Cruéis Tem alguém que me defende e grita mais alto do que ela Eles não me conhecem Sabe? Nunca me viram Mas não aguentam as palavras que saem da boca daquela mulher Que não é única Ela está em cada empresa que não aceita negros Em cada canto da cidade que tem Alguém apontando o volume Do meu cabelo Em cada pessoa que acha Que não somos dignos A cidade está cheia deles Mas também está cheia daqueles Que estão gritando contra aquela mulher Cheia de gente que quer tirá-la de perto De mim Cheia de gente que toca no meu braço E me dirige Um olhar carinhoso Cheia de gente que se comove, chora e sente raiva Por mim Eu poderia tentar esquecer esse dia Ou fazer dele uma memória ruim Mas escolhi que foi o dia Em que conheci Pessoas Que nunca vi Lutar por aquilo que por anos Já senti Na minha pele Tenho a melanina Tenho marcas Tenho traços Esse dia foi o dia Que se fez a minha melhor marca Empatia Está aqui Me lembrando Das pessoas que sorriram Pra mim E diferente para aquela mulher O meu dia Terminou assim Com abraços de conforto Amigos desconhecidos E sorriso no rosto.
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