#4: Memórias, Canções e Estrelas Sem Fim

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Fechou os olhos e respirou fundo. Naquele momento, lembrou do quanto odiava manhãs chuvosas.

Nos dias de chuva, seu corpo encontrava justificativas para atender às súplicas de repouso de sua mente, estendendo "mais cinco minutos" por horas a fio.

Sua mente, envolta em centenas de pensamentos, adorava tentar replicar as tormentas cinzentas.

Levantou-se da cama com movimentos metódicos e demorados. O peso da gravidade, junto ao peso de todas as suas decisões erradas, parecia agir de forma exagerada sobre ela, tornando o processo sempre mais laborioso do que deveria ser.

Em essência, a problemática não era apenas o clima. Ela sabia disso.

Carregava dentro de si sua própria tempestade: uma coleção de memórias de estrutura instável e pensamentos de caráter incontrolável. Acontecimentos concretizados, coisas que poderiam ter acontecido, coisas que iriam acontecer.

Seus erros e seus medos, como relâmpagos e trovões, mantinham a pressão intensa e constante. O mundo ao seu redor, tragado pela situação, projetava-se instantaneamente em segundo plano: suas cores tragadas pelo cinza, sua presença ativa tendo que ser relembrada a cada instante.

Desviou do balcão da cozinha e impediu a queda de alguns pratos no último segundo. Tirou um segundo para cautelosamente reposicioná-los — afinal, aquela casa já havia atingido sua cota de coisas quebradas.

Desde quando sua vida havia se tornado uma bagunça tão grande?

Havia se mudado para a cidade em busca de seus sonhos. Em meio aos seus delírios de grandeza, pensou que realmente daria certo. Que faria seu nome e encontraria seu lugar.

Meses haviam se passado e, sem novos resultados, sua motivação foi se esgotando. Marissa via o mundo ao seu redor seguindo adiante enquanto ficava para trás. Estava parada no tempo.

Seguiu a caminhar entre os cômodos, imaginando o quanto tal comodismo lhe havia custado. O quanto deixar de tirar os móveis de lugar, de trazer um grau necessário de ação, de desordem havia estagnado seu crescimento.

De repente, interrompendo seus pensamentos, o vislumbre de algo diferente. Algo que ela inconscientemente buscava.

Irrompendo o véu cinéreo que recobria a mobília e estrutura da habitação, diversas molduras de tons vibrantes marcavam pequenos pontos de cor.

Vermelhas. Amarelas. Verdes. Dos mais diversos tamanhos e formas, retratando os mais diversos momentos. Eram, assim como parte dela, uma grande bagunça — mas uma que se permitia possuir e ser.

Permitiu que os dedos navegassem pelas armações baratas, cumprimentando as memórias com um respeito quase religioso.

Fotos de seus primeiros passos, com os braços dos pais ao seu aguardo. Dos amigos de escola em um aniversário improvisado de três anos atrás. Do seu beagle desajeitado que tinha desde os doze anos.

E diversos outros momentos simples, igualmente congelados no tempo.

Momentos que a lembravam de que, apesar da caminhada ainda ser difícil, haveria sempre alguém pronto para segurá-la. Que haviam pessoas dispostas a fazer seu melhor para vê-la feliz. Que os momentos bons estavam lá, em seu aguardo.

Encarou as imagens estáticas mais uma vez, enquanto o peso em seus ombros se dispersava. Com um sorriso no rosto, preparou-se para seguir em frente.

* * * *

O barulho se intensificava a cada dia passado.

Era composto por fantasmas e vozes que permeavam sua história: murmúrios de uma família insatisfeita, sussurros de companhias ácidas e um repertório interminável de discussões doloridas.

Tudo Aquilo Que Um Dia Foi NossoWhere stories live. Discover now