#7: Amar(go)

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"Gosto dos meus amores como gosto do meu café", dizem por aí.

Conheço pessoas que o apreciam de todas as formas: alguns o preferem mais quente, ou doce. Existem também os que escolhem pela intensidade: sejam os mais fortes, leves ou sutis. Isso, claro, sem contar com quem adora adicionar alguns complementos na mistura.

Sinceramente? Eu nunca gostei de café.

Redobrando a ironia, eu trabalho com isso.  Em uma escala longa e tediosa de oito horas por dia, cinco dias por semana, numa filial da cafeteria predileta pro café da manhã de pessoas apressadas — O sonho do jovem adulto moderno, sem dúvidas.

Nos seis meses que se passaram desde que entrei na companhia, memorizei clientes, escolhas e pude conhecer vários dos efeitos confusos que a cafeína causava nos humanos que seguiam normalmente suas vidas na capital: desde a euforia e a devoção até os acessos de raiva e abstinência.

Entre americanos e lattes, segui rodeado dos grãos por um bom tempo, e nunca cheguei a ceder verdadeiramente. O mesmo ocorria para o amor, pasme: não me sentia atraído, embora alguns de seus vestígios e algumas das experiências de quem provasse me fizessem pensar duas vezes.

Paixões e cafés. Será que algum dia eu aprenderia a tê-los em minha vida?

Tenho para mim que a resposta cruzou as portas da loja em uma quarta-feira de movimento fraco, bem no final daquela tarde chuvosa. Tinha cabelos castanhos desgrenhados e tinha claramente perdido o guarda-chuva, ou não estaria molhado daquele jeito.

Caminhou até o balcão e sorriu para mim, me desejando uma boa tarde. Seu sorriso não era manchado como o de quem consome café há muito tempo. Seus olhos profundos e negros encaravam os meus atentamente, como um par de espressos.

E pela primeira vez após todo o meu tempo naquela indústria vital, não sabia bem como reagir. Meus palpites, geralmente certeiros, não conseguiam se formar sobre qual seria sua escolha.

Respirei fundo, sorri e segui o roteiro retribuindo o cumprimento e registrando o pedido: Um Macchiato de caramelo, grande. Atrativo, doce e quente.

Foi assim que você me apareceu.

Devido à chuva, não iria pra outro lugar por algum tempo. Graças ao pouco fluxo de clientes, eu também poderia fazer o mesmo. Conversamos sobre sua chegada ao bairro, suas aspirações pessoais e sobre como o sabor do caramelo te fazia lembrar da sua infância.

A chuva parou. 

"Você deveria experimentar, de verdade." Você insistiu. "Acho que combina contigo."

"Eu não sei." Eu disse, sem graça. "Minhas experiências passadas me deixaram um pouco receoso, sabe?"

"Eu não compro essa ideia." Revirou os olhos e sorriu. "Se você não gostou ainda, é por que não encontrou o seu tipo ideal ainda."

Nos despedimos. No fim do turno, quando segui pra casa, carregava em uma das mãos duas coisas que seguiriam minhas respostas: o seu número de telefone e um copo pequeno de café.

Quem diria que o meu tipo ideal era você, não é mesmo?

* * *

Muitas pessoas dizem que, antes de se acostumarem ao café, até as menores doses ainda eram capazes de roubar completamente noites de sono. Para mim, assim seguiram-se aquelas primeiras noites, sem saber qual dos males era o pior: a cafeína ou o amor.

Não demorou muito para que estivéssemos juntos de verdade. Para que eu criasse o hábito de separar o seu pedido no horário de sempre, aguardando para que cruzasse a porta — Esperando religiosamente por um olhar atrativo, um beijo quente e palavras doces.

Conforme passavam, os dias ficavam cada vez mais longos e, os copos, maiores. O hábito inocente de uma xícara ou outra se tornando uma necessidade rotineira. E não tinha problema.

Até que vieram os dias de extremos. Dias em que o café estava perigosamente quente, ou frio demais. Dias onde não parecia uma boa ideia consumir aquilo, embora a dependência sempre falasse mais alto.

E ficar em abstinência doía. Como doía.

Acabou que não éramos exatamente o tipo perfeito um do outro.

Dias como hoje são aqueles em que eu preparo seu copo de forma mecânica, com um instinto esperançoso de que aquilo vá fazer as coisas voltarem a como eram. Sempre me repreendendo nos últimos instantes por isso.

Por guardar o café de alguém que nunca vai voltar.

Não é surpresa alguma que, no fim das contas, a única coisa que resta na minha boca ao dizer seu nome é um sabor amargo. Te amar, ironicamente, foi — ainda é, infelizmente — mais amargo que qualquer café jamais poderá ser.

* * *

Considerações finais:

Outro hiato encontra o fim, AMÉM.

Então... Não sei se acabou exatamente como eu queria, verdade seja dita. Mas a ideia geral seguiu bem o rumo. A música desse texto é O lado vazio do sofá, do Rodrigo Alarcon (Link no texto, sempre!).

Espero que seja uma leitura aceitável. Não deixem de tomar café (mesmo depois de um café que decepcione, ainda tem outros por aí), sigam felizes e... Obrigado desde já! ❤

Tudo Aquilo Que Um Dia Foi NossoWhere stories live. Discover now