Capítulo I

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Meu rosto é invadido por um facho de luz originado de mais uma manhã ensolarada, repito pra mim mesma uma nota de desapontamento por ter esquecido de fechar as cortinas ontem à noite. Tento acostumar meus olhos à claridade do dia enquanto me esforço pra levantar da cama. Sinto como se tivesse levado uma surra e minha cabeça parece estar sendo acompanhada por uma escola de samba. Quando meus pés tocam o chão frio, me parabenizo mentalmente por ter conseguido sentar. Me esforço mais um pouco até levantar e caminho lentamente até a janela torcendo para não cair pelo trajeto, começo a fechar as cortinas azuis. Espera... Azuis??

­— Essa cortina não é minha — digo sentindo minha voz falhar. Minhas cortinas são amarelas e horrorosas que comprei na única loja de departamentos aberta no feriado. Esfrego meus olhos mais uma vez tentando clarear melhor a visão e então olho ao redor, meus olhos se arregalam.

— Esse quarto não é meu! —percebo que o lugar onde estou não é nem de perto um dormitório do campus, — O que eu fiz? — é a única coisa que consigo dizer depois de um turbilhão de perguntas bombardearem minha cabeça.

Esforço minha mente pra lembrar os acontecimentos das últimas 24 horas porém nada feito, minha memória parece não querer colaborar nesse momento, Devo sair? Mas quem será que está lá fora? Devo fingir estar dormindo e esperar até que ninguém esteja em casa?

Entro em uma batalha interna entre o certo e o errado, se devo sair e descobrir o que houve e por que estou aqui ou se devo ficar e arrumar uma forma de fugir. Meus pensamentos desordenados são afastados da minha mente pelo cheiro estonteante de café, decido ignorar os alertas e sair do quarto. Encaixo minha mão para girar a maçaneta ao mesmo instante em que ouço batidas na porta, ela range um pouco e levo um sobressalto ao dar de cara com um homem sem camisa, com a pele levemente bronzeada, seu braço esquerdo é coberto por tatuagens, sua calça de moletom está baixa em sua cintura, o suficiente pra revelar a barra de sua cueca. Solto um suspiro e torço mentalmente para que ele não tenha percebido. O cheiro forte de cafeína que vem da xícara em sua mão me desperta e eu entro de volta no quarto fechando a porta de forma bruta tentando em vão encaixar meus pensamentos desorientados. Será que eu transei com ele? Essa vai ser a história da primeira relação íntima da minha vida? Por que diabos eu tô aqui? Respiro fundo mais uma vez enquanto continuo ouvindo batidas na porta.

— Quanto mais demorar pra abrir a porta, mais vai demorar pra gente conversar...— Percebo que ele tenta falar de forma calma e suspira antes da última parte — ...e entender o que houve.

Analiso todas as opções que tenho antes de decidir o que fazer. Pular da janela? Penso enquanto corro até a mesma pra ver a distância "má ideia, se eu não morresse pulando, no minimo quebraria metade dos ossos do meu corpo e o que eu menos preciso no momento é isso!" penso enquanto volto a analisar o quarto e me dou conta de minha bolsa jogada na poltrona. É claro, meu celular! Começo a revirar a bolsa mas nada do aparelho "Merda" sussurro para que o desconhecido não possa ouvir.

Ouço outra batida na porta que interrompe minha ideia suicida de recorrer à janela e suspiro derrotada. Ando até a porta e abro uma fresta percebendo o cara musculoso encostado no batente.

— Até que enfim — ele diz bufando e me entrega a xícara com o café não tão quente agora enquanto saí do corredor. Bebo um gole do líquido escuro na esperança de que a cafeína arraste a memória devolta pra minha mente...nada feito! Faço uma careta sentindo falta de açúcar e decido procurar o cara tatuado.

— Não vai me contar o que houve?— Digo pousando minha xícara na mesa enquanto observo o misterioso pegar uma caneca térmica e dar a volta no balcão da cozinha despejando o café recém feito. Cruzo os braços tentando parecer intimidadora e só então percebo seus olhos me fitando de cima a baixo, não tinha me dado conta de que o único tecido que cobre meu corpo é de uma camisa larga que vai até metade de minhas coxas. Instintivamente puxo a barra pra baixo e reviro os olhos, — Por favor — tento parecer firme.

O moço tatuado cujo nome está uma saga para descobrir bufa de novo. Ou ele tem isso como mania ou realmente não tem paciência comigo.

— Você bebeu demais e eu não ia ser um cuzão e te deixar desmaiada no bar então te trouxe pra cá — Ele dá de ombros como se não fosse nada e o pânico toma conta de mim.

Ponho as mãos no rosto não querendo acreditar e me esforçando pra perguntar o que queria saber desde o início.

— Nós não? ... Você sabe — desvio o olhar envergonhada

— Ah sim! nós fizemos ... a noite toda — ele sorri de forma maliciosa e sinto meu estômago embrulhar, ponho as mãos na boca .

— Ah não...não, não pode ser — puxo os cabelos pra traz sentindo a bile subir pela garganta quando ouço uma risada. Risada não, uma gargalhada bem alta.

Viro pro rapaz sem noção e fico abismada com sua reação, sua risada ecoa pela cozinha. Seria contagiante se não fosse trágico.

— Do que você está rindo?

— Você tinha que ter visto sua cara — ele continua rindo enquanto abre uma caixa de cereal e despeja um pouco em uma tigela, — Óbvio que não rolou nada, você estava praticamente desmaiada e eu não curto esse tipo de coisa — ele balança a cabeça de forma negativa enrugando o nariz ainda rindo o que me faz revirar os olhos.

Não posso negar o alívio que sinto nesse momento.

— Nossa, pela sua reação, ou tem um namorado bem ciumento ou é virgem — sua risada volta a ecoar pela cozinha.

— Não tenho que aturar isso — cruzo os braços e volto depressa pro quarto onde acordei deixando o rapaz risonho com seu sarcasmo pra trás.

Corro até minha bolsa novamente tentando encontrar meu celular mas ele não está em lugar nenhum. Olho embaixo da cama: nada! Olho debaixo dos travesseiros: nada! Bufo irritada e na mesma hora ouço batidas leves na porta e só então noto que a risada que ecoava pela casa acabou. Quando abro, vejo o rapaz não tão risonho, mais cauteloso eu diria, com roupas que reconheço na mão e uma toalha.

— É... o banheiro fica na segunda porta à esquerda, imagino que queira tomar um banho já que se vomitou ontem — ele tenta fazer uma piada mas se recompõe depois de ver meu semblante nada divertido — Enfim, depois te dou uma carona até em casa— ele sorri de lado e observo pela primeira vez covinhas em suas bochechas.

Agradeço com um sorriso e saio do quarto caminhando até o banheiro, antes de fechar a porta ele grita alto:

— Lembra onde mora, não é?— e sai dando a décima gargalhada do dia.

Não reviro os olhos nem xingo mentalmente dessa vez, apenas solto uma risada, sincera.

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