17 | Há algo novo

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ELES VOLTAVAM PARA CASA NO ÔNIBUS. Porém, o coração de Chaeyoung sabia que sua casa era a que estava deixando. Pretendia voltar o mais cedo possível. Algo ali a deixou mais feliz, a encheu de esperança e a fortaleceu. As memórias que ela fez naqueles dias jamais seriam esquecidas.

Ela e Kyungsoo viajavam lado a lado novamente. Kyungsoo queria falar, mas não sabia como começar o assunto entre eles. Ao olhar para o lado, Chaeyoung tentava desenrolar seus fones de ouvido de uma forma desajeitada.

— Posso? — ele perguntou, tomando cuidadosamente os fones da mão dela e desenrolando-os numa rapidez que a deixou constrangida pela dificuldade que teve em fazer aquilo sozinha. — Aqui.

Ela agradeceu com um sorriso, para depois colocar um dos fones em Kyungsoo (que piscou, surpreso). Chaeyoung recostou-se no assento desconfortável e ele começou a deixar-se levar pela música.

— Que música é essa? — ele perguntou, desacostumado com a melodia e letra. Kyungsoo não era muito antenado, principalmente com músicas em inglês. Preferia o bom e velho R&B que o mantinha seguro dentro de seu abrigo.

Six feet under, da Billie Eilish. Ela é bem popular lá fora — explicou ela com paciência, mostrando uma foto da tal cuja para ele. Kyungsoo gostou da música e foi acompanhando com Chaeyoung a tradução que rodava no celular dela.

"Me ajude.
Eu me perdi novamente.
Mas eu lembro de você."

— É tragicamente bonita — ele disse, depois de ouvir por um tempo, mais para ele que para ela. — Você pode se perder de você mesmo, esquecer da sua identidade, duvidar do seu próprio eu... mas se segurar àquela pessoa em especial. Confiar nela mais que você mesmo.

Chaeyoung pensou que poderia pintar um retrato do rosto de Kyungsoo; ressaltar na tela o olhar distante, a testa enrugada e a mão abaixo de seu queixo. Ele parecia uma obra de arte que valia a pena ser pintada.

— Essa é uma boa reflexão para você colocar no seu livro — ela respondeu, saindo de seus próprios devaneios. — E, por falar nele, como está indo?

— Um artista nunca revela seus segredos.

— Eu não acho que o ditado seja assim... — Chaeyoung riu.

— Está indo bem. Melhor do que há alguns meses atrás. Se o rascunho for bom o bastante, eu posso tentar mandar para alguma editora — Kyungsoo não gostava de falar sobre o futuro, por isso ficou desconfortável ao pensar na possibilidade de uma rejeição da editora.

— Você pode me mostrar o rascunho. Eu não sei quase nada sobre livros, mas minhas críticas são muito construtivas — ela balançou a cabeça, concordando consigo mesma.

— Como daquela vez que você disse que meu cabelo parecia uma cacatua? — eles riram, pois sabiam que era verdade. — Tudo bem. Posso correr o risco. A menos que você queira queimar o meu livro, o que não é válido como crítica.

— Pode ficar calmo, o máximo que eu faço é jogá-lo no lixo. O que, no seu caso, não é possível mesmo. Você escreve bem demais para isso — ela sorriu. — Eu sei que você sabe disso. Mas, enfim. Às vezes é bom ressaltar. Só pra ter certeza.

— Não. É bom ouvir de você — ele disse e abaixou a cabeça, sorrindo.

O ônibus passou perto de um desfiladeiro onde uma cachoeira despencava, e Chaeyoung tirou uma foto da paisagem com rapidez.

— Essa é para pintar depois — disse a Kyungsoo, guardando o celular. — Estou tentando voltar, sabe? Já passei tempo demais sem pintar, e é uma coisa que eu gosto muito.

— Fico feliz — respondeu ele. — Você não pode deixar de fazer algo que gosta. Principalmente porque você faz isso muito bem.

Kyungsoo desviou o olhar para as luvas dela, ainda questionando a razão dela usá-las em todas as ocasiões. Mas não iria perguntar. Já havia percebido que ela não gostava de falar sobre essas coisas (ou sobre seu passado). Então mudou o assunto para ele. Talvez os distraísse.

— Meu irmão mais velho queria morar em uma fazenda parecida com essas por causa dos animais — ele apontou para as paisagens que viam da janela. — Um dia, ganhamos um passarinho e ele pensou que era um pintinho. Passamos um mês dando só milho ao pobrezinho — riu, lembrando da ingenuidade do irmão —, até que papai esclareceu nossas dúvidas.

— E depois? — perguntou, interessada.

— Nós o soltamos. Meu irmão disse que o lugar dos passarinhos não era em uma gaiola. Certo que depois recebemos uma bronca do nosso pai, mas nós dois ficamos muito felizes em ter libertado o pássaro. E nunca mais tivemos um animalzinho.

— Como que vocês não sabiam diferenciar um passarinho de um pintinho? — Chaeyoung riu, gesticulando com a mão.

— Éramos muito novos! — ele riu junto dela. — A essência da vida é aprender todo dia algo novo. E naquele dia aprendemos que nem tudo o que parece com um passarinho é um passarinho.

— E que lição, hein — brincou, para depois fazer uma observação: — Vocês pareciam próximos.

— Sim. Éramos. Ele me ensinou que, se tem algo que você quer muito fazer, deve fazê-lo o quanto antes. Ninguém nunca sabe o dia de ir embora — eles se entreolharam. O coração de Chaeyoung passou de batidas compassadas para ruídos caóticos.

O motorista do ônibus anunciava o final da viagem; estavam chegando perto da cidade. 

— E tem alguma coisa que você, por acaso, queira fazer o quanto antes?

— Na verdade, tem sim — a voz profunda e calma de Kyungsoo tomou os ouvidos de Chaeyoung como ele tomou seu rosto entre as mãos quando se aproximou para beijá-la. Eles sorriram no meio do beijo, como se percebessem que algo ali estava mudando. Mas não perceberam de verdade.

Essa é a graça do amor.

Você nunca espera. Ele simplesmente acontece.

Chasing Cars | KyungsooOnde histórias criam vida. Descubra agora