Capítulo 11

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28 de setembro de 2019.

Murilo

Demoro a me localizar quando abro os olhos e me vejo sozinho em meu quarto porque estava tendo um sonho muito bom, que foi interrompido pelos gritos que agora escuto com mais atenção. Corro em disparada para o quarto dela, e quando abro a porta ela já está sentada na cama com a cabeça entre os joelhos, mas a levanta assim que me vê.

Marina não parece assustada, apenas triste e ainda meio sonolenta, e me aproximo devagar para tentar entender o que aconteceu.

- Foi apenas um sonho estranho - diz ela prevendo minha pergunta. - Já tive esse sonho lá no hospital, mas agora ele parecia ainda mais vívido.

De sonhos vívidos eu tenho entendido bem ultimamente, principalmente o que eu estava tendo a poucos momentos atrás e que obviamente era protagonizado por Marina, usando uma camisola parecida com a que ela vestia agora, pelo menos a princípio. Melhor não pensar no restante do sonho, caso contrário não vou conseguir ficar nesse quarto com ela.

- Você quer me falar sobre esse sonho? - pergunto a ela.

- Na verdade não parece nada demais. Eu estou na praia com um garotinho pequeno, somente eu e ele. Apesar de não conseguir ver seu rosto eu sei que ele está sorrindo, e me sinto feliz por vê-lo assim. O que mudou no sonho de hoje é que o menino começa a se afastar de mim e não consigo alcançar ele, quero chamá-lo mas não sei seu nome, e isso me desola. Eu sinto que preciso proteger ele, mas ele vai embora e eu fico na praia sozinha, com um vazio tão grande no coração como nunca senti antes...

Qualquer vestígio de lembrança sobre o meu sonho desaparece quando ela começa a falar, e agora não sei o que dizer ou fazer, fico simplesmente olhando para ela. Me permito alguns instantes para me recuperar, e como ela não parece ter mais nada a acrescentar eu seguro em sua mão e digo:

- Foi apenas um sonho ruim. Vou ficar aqui com você até que você esteja melhor, tudo bem?

Ela sorri agradecida, e ficamos olhando para nossas mãos entrelaçadas. Ouço um sutil fechar de porta no quarto ao lado, indicando que Maya também ouviu os gritos e estava escutando sobre o que falávamos. Desde a conversa com Marina mais cedo, nossa filha tem se esquivado pela casa com a intenção de não ser vista, mas sei que ela, assim como eu, tem acompanhado os passos da mãe e deve estar abalada com o que acabou de saber. Para o bem de todos, espero que tenha sido somente um sonho, e não um presságio de meus maiores temores.

Enquanto continuo olhando para nossas mãos percebo o olhar de Marina sobre mim, e ao observá-la posso sentir que ela sente falta de nós dois assim como eu. Não quero apressar as coisas e sei que ela precisa de tempo para se recuperar, por isso solto sua mão e me levanto da cama inventando uma desculpa:

- Tudo bem se eu for pro meu quarto agora? Está tarde e amanhã meus pais chegam cedo...

- Claro, sem problemas - ela responde, mas seu olhar demonstra tristeza. Sei que posso estar ferindo seus sentimentos, mas preciso me resguardar também, já que nosso futuro depende das memórias dela. Murmuro um boa noite e sigo para minha cama, tentando imaginar como Marina vai reagir com meus pais, e como minha mãe vai lidar com suas dores em frente a minha ex-esposa.

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- Eu concordo com Maya meu filho, não acho justo com ninguém esconder os fatos de Marina. Pelo que você me disse ela está sofrendo sem nem saber o motivo, vocês estão sofrendo por não poderem conversar sobre muitas coisas, e todos os que convivem com vocês terão que se policiar para não falarem o que não devem. Eu sei que Marina sofreu demais e perdeu seu caminho, mas pense um pouco em você e Maya, que além de terem passado pela tragédia ainda tiveram que sobreviver com a ausência de Marina, e agora vão ter que abrir mão da verdade em prol de seu bem. Parece que suas vidas tem girado somente em torno dela ultimamente, você não acha?

- Eu sei que parece egoísmo mãe, mas eu não vejo outra alternativa. O que você faria se visse meu pai perdido na vida, e tivesse chance de trazê-lo para perto novamente, mesmo que para isso tivesse que abrir mão da verdade?

Minha mãe fica pensativa enquanto olha para os jardins que passam do lado de fora da janela. Estamos a caminho de minha casa e tento convencer meus pais a colaborarem com meu modo de resolver as coisas com a Marina. Meu pai está calado durante toda a viagem mas minha mãe está um pouco relutante. Antes da tragédia ela e Marina tinham um relacionamento de mãe e filha, mas depois que Marina foi embora e deixou Maya para trás minha mãe se rebelou contra ela.

- E se amanhã ou depois ela recuperar a memória e abandonar vocês de novo? Como você acha que Maya vai suportar? - continua Dona Cassandra.

Eu suspiro pesadamente e respondo:

- Só posso rezar para que isso não aconteça, ou pelo menos para que algum milagre faça com que ela permaneça conosco mesmo depois de saber a verdade. O que eu não posso é ficar de braços cruzados quando o amor da minha vida precisa tanto de mim, e espero que minha família esteja ao meu lado, apoiando minhas decisões.

Minha mãe apenas assente e segue calada pelo restante do caminho.

Ao sairmos do carro Marina está nos aguardando na porta, e sorrindo se dirige até meu sogro, que aceita de bom grado o abraço carinhoso que ela lhe dá. Ao caminhar até minha mãe Marina sente que há algo de errado, então espera Cassandra dar o primeiro passo. Quando minha mãe apenas a cumprimenta de longe consigo ver sua confusão, mas ela não diz nada e seguimos para dentro da casa. Neste momento Maya desce correndo e abraça sua avó paterna com fervor, e pela primeira vez desde que fui buscá-los vejo minha mãe sorrindo de verdade.
Dona Judith também está presente a pedido meu, já que fiquei com medo de deixar Marina e Maya sozinhas e para que o clima não ficasse tão estranho, já que ela e minha mãe tem sido grandes amigas. Depois de todos os cumprimentos e das perguntas de praxe sobre a saúde de todos, nos dirigimos para a sala onde Marina começa a organizar tudo para o nosso jantar. Ela fez questão de cozinhar apesar de seus machucados, e não pude deixar de me sentir nas nuvens com o fato de ela estar tentando reassumir seu posto de dona da casa. Todos sabem que há algo estranho no ar, mas ninguém comenta nada, mesmo que Maya não tenha dirigido nenhuma vez seu olhar para a mãe.
Algumas horas depois de conversa sobre nada que envolva nossa vida, o que se resume em falar sobre o tempo e sobre política, levo meus pais de volta para a sua casa na cidade, e fico aliviado que pelo menos tudo tenha corrido bem, apesar de ainda estarmos longe de ser a família que éramos antes.

Nada é como antesOnde histórias criam vida. Descubra agora