Capítulo 17

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22 de dezembro de 2019.

Marina

A vida tem sido boa nos últimos tempos, mesmo que as questões em minha cabeça continuem martelando como um grande ponto de interrogação desde que acordei naquele hospital. Minha única certeza é meu amor por Murilo, e é por isso que mesmo tendo certeza de que ele me esconde algo importante, decidi me entregar a ele mais uma vez. Mais do que saber que o amo, estar com ele faz com que algo volte a se encaixar em minha vida, e isso tem me deixado muito feliz.

Preferimos manter nossa relação em segredo por enquanto, inclusive de Maya, mas tenho quase certeza que ela sabe, já que as vezes a pego nos observando enquanto fazemos nossas refeições. Pensei que ela rejeitaria a ideia de ter seus pais juntos, mas ela não demonstrou nenhuma aversão ou mudança de comportamento, pelo menos até agora.

Estou focada em estreitar minha relação com minha filha e ter de volta a sua confiança, e é esse o meu objetivo hoje. Vamos à igreja, eu ela e minha mãe, assim como fazíamos até onde lembro, e espero que isso a faça ver o quanto estou disposta a me aproximar e estar junto dela. Apesar de ser domingo, Murilo está resolvendo alguns problemas da empresa, e por isso ele não nos acompanhará a missa. Eu acho que isso é apenas um pretexto para ele não ir, já que ele nunca foi muito religioso.

Saímos de casa com certa antecedência porque precisamos passar na casa da minha mãe e pegá-la, já que fui liberada finalmente para dirigir, e no caminho eu e minha filha nos mantemos em silêncio confortável, quebrado apenas pelo som pop que toca na rádio local, enquanto eu me mantenho focada na estrada, já que foi por causa de um acidente que perdi a memória. O silêncio é quebrado apenas quando pegamos Dona Judith, já que ela gosta de falar e de preencher o silêncio, e acabamos fazendo planos para o almoço após a missa.

Ao chegarmos ao local e nos sentarmos em um dos primeiros bancos, mentalizo todos os agradecimentos e desejos que pretendo expor para Deus. Além de rezar pela minha família e agradecer por suas vidas, desejo imensamente me recuperar plenamente do acidente, para que este vazio seja preenchido. Tenho também alguns planos que não dependem de milagre, como no caso da memória, e um deles é voltar a trabalhar. Não consegui entender ainda porque larguei um emprego que eu adorava quando Maya já não era tão pequena, e sinto falta da minha carreira, para o qual batalhei tanto quando jovem.

Outro desejo é recuperar minha relação com Aimee. Apesar de trocarmos mensagens, nossa amizade não é mais como antes, sinto que ela está me evitando, pois inventa uma desculpa todas as vezes que tento encontrá-la, e sei que isso tem algo a ver com a discussão que ela e Murilo tiveram. O que sei é que preciso de força e coragem para colocar em prática meus desejos, e é isso que peço ao me ajoelhar e unir as mãos.

Quando o padre começa seu sermão, assim como acontecia antigamente, sinto que as palavras que ele profere são ditas especialmente para mim, e meu coração se enche de esperança de dias melhores. Após algum tempo focada em suas palavras e com lágrimas nos olhos, sinto uma mão apertando carinhosamente a minha, e ao olhar para o lado, percebo que Maya também está chorando, e que ela me observa com tristeza. Porém quando sorrio para ela e ela me retribui, sinto com todo o meu coração que estamos no caminho certo, e nada é mais importante nesse momento.
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Segunda feira chegou e com ela mais uma noite mal dormida pra mim. Sonhei com aquele menino novamente, e confesso que fico esperando por esse momento quando coloco a cabeça no travesseiro. Sei que parece absurdo considerando o fato de que o sonho me faz acordar assustada, mas nos momentos antes de o menino se afastar, quando escuto sua risada, meu coração se enche de alegria, e é isso que faz com que eu espere por ele toda noite.

Não tive nenhum avanço em relação ao sonho, o menino continua se afastando de mim sem que eu consiga ver seu rosto ou saber seu nome, mas tenho me sentido cada vez mais agitada pela manhã, como se algo muito grande estivesse pra acontecer.

Como estou sozinha em casa hoje, já que Maya está na casa de uma amiga aproveitando o verão, decido fazer uma faxina geral que ocupe minha cabeça e me impeça de ficar tentando achar significado em tudo. Afinal, estamos a poucos dias do natal e vamos fazer uma ceia com minha mãe e os pais de Murilo.

Com esse objetivo em mente, começo pelos armários da cozinha, que parece que não são limpos há algum tempo, indo em seguida para o andar de cima. Limpo banheiros, o quarto do Murilo, o meu, e paro para pensar em como Maya se sentiria se eu invadisse seu espaço. Decido deixar o quarto dela para depois, para poder perguntar antes a sua opinião. Ficou faltando então o quarto de visitas, onde, aliás, eu não entrei desde que cheguei aqui, mas qual foi a minha surpresa ao não conseguir entrar no mesmo. Este quarto nunca ficou fechado, e a sensação de peso no estômago que tem me acompanhado quando acho que algo está errado volta com força. Respiro fundo e decido só me preocupar com isso depois de pedir explicações ao Murilo.

Espero até depois do jantar, quando ainda estamos à mesa, aproveitando que todos estão de barriga cheia e meio sonolentos:

- Maya, estava dando uma geral na casa hoje, e queria saber se você quer que eu limpe seu quarto também.

Ela parece surpresa, porém satisfeita, com o fato de eu estar perguntando sua opinião, e me responde com um sorriso:

- Pode limpar sim mãe, só deixe minhas estantes como estão que esta parte eu gosto de organizar do meu jeito - diz ela. - Obrigada por perguntar.

Sorrio para ela em resposta, e em seguida digo como quem não quer nada:

- Murilo, você pode abrir o quarto de visitas para que eu possa limpá-lo?

- Mas você não está dormindo naquele quarto? - responde ele distraído.

- Estou falando do outro quarto, segunda porta a direita - respondo.

Ele empalidece na hora, e percebo que ele e Maya trocam olhares preocupados.

- Ah, aquele quarto. É.. não precisa limpar ele não, ele está vazio - responde ele gaguejando.

- Mas porque ele está trancado? - insisto.

- Ah, é... que a janela está com problema, e para evitar um assalto eu acabei trancando ele.

Finjo não reparar que ele não me olhou nos olhos ao responder, e não pressiono mais ele porque assim posso agir do meu jeito, sem que eles tentem me impedir. Assalto, no segundo andar? Até parece. Agora tenho certeza que preciso entrar naquele quarto, porque lá vou começar a ter minhas respostas.

Nada é como antesOnde histórias criam vida. Descubra agora