• Prólogo •

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A neve caía do lado de fora, enquanto Lucinda e eu esperávamos por Elizabeth e Roberto que já estavam a caminho daqui, mas não poderiam ultrapassar a velocidade justamente por causa da neve. Nesta estação climática do ano, os acidentes poderiam ser constantes pela falta de cuidado e velocidade, portanto os alertei para que viessem devagar, logo chegariam em segurança. Minha filha estava animada para ver seus tios, ao mesmo tempo estava triste por ter que ir embora e deixar tudo o que lembrava seu pai para trás, ela não sabia de nada. Tudo era um grande mistério para Lucinda que apenas desconfiava os motivos da prisão de seu pai. Sempre fiz questão de fazer com que minha filha não soubesse sobre o pai que tem. Neste momento ele deve estar apodrecendo em uma das cadeias de Forx e é por isso que preciso sair daqui. Por ser uma cidadezinha pequena, os presos por agressão doméstica e tentativa de feminicidio não são considerados altamente perigosos o que acarreta em não serem mantidos nas cadeias por muito tempo. Da última vez, ele voltou em dois meses e  agora, quando voltar, eu não estarei aqui para sofrer as consequências e levarei Lucinda comigo. Não quero mais pagar para ver a minha própria desgraça, não definharei nas sobras de um amor inexistente. Ninguém sabe disso, nunca deixei ninguém ficar sabendo do que acontecia dentro de minha casa, a não ser minha psicóloga e os policiais que trabalhavam aqui na delegacia feminina de Forx. Ainda assim ninguém pode fazer nada, só me aconselharam a fugir das agressões deste homem e sumir para sempre de sua vista. É o que estou fazendo neste momento. Finalmemte vou sair deste lugar, onde um homem um dia me jurou amor eterno e me deu sofrimento e uma vida de engano, uma vida de aparência, onde só o que eu tinha eram agressões e muitas outras coisas ainda piores que isso. Alguém que dizia me amar, me humilhava não só em suas palavras e fazia me sentir menos que nada. Fecho os olhos assim que as lágrimas tentam voltar aos meus olhos, é muito difícil para mim esconder tudo pelo que passei e tudo o que sinto dentro de mim. Os abro novamente assim que a buzina ecoa em meus ouvidos e logo uma cabeleira loira com uma touca sai para fora do carro, no banco do carona. Sorrio. Lucinda vem correndo e para ao meu lado, na janela.

— Eles chegaram. Você quer ajuda com as malas?

Nego com a cabeça. Sei que ela quer muito falar com sua tia. Então ela corre em direção a porta e sai, deixando-a aberta. Pego minha única mala e a sua e então sigo em direção a saída, encontrando Roberto que já estava me esperando na porta com um sorriso evidentemente estampado em seu rosto. Ele me cumprimenta e logo pega as malas de minhas mãos.

— Oi cunhada, como está? Já estava com saudades deste seu sorriso contagiante.

Ele sempre foi meigo comigo e com minha filha que agora não parava de falar com sua tia sobre coisas aleatórias. Nunca soube se isso era sincero ou se apenas tinha pena de mim, por eu não falar com ninguém. Antes mesmo que pudesse voltar para pegar meu cachorro, Bob aparece ao meu lado e late várias vezes abanando o rabo para Roberto, que solta as malas assim que o vê e se abaixa para brincar com Bob. Ele empre gostou de Roberto quando eles vinham passar um curto período de tempo eminha casa. Era difícil atuar perto de minha irmã e do meu cunhado que era como um irmão para mim. Era muito difícil fingir que estava tudo bem todos os dias e jogar o jogo do psicopata do meu ex marido.

— Ei, amigão! Como está lindo. E esta pelagem?— Se voltou para mim.— Você cuidou mesmo muito bem dele.

Sorri. Logo Roberto voltou sua atenção para as malas e fomos em direção ao carro. Era bom ver Elizabeth novamente e apesar de sempre ter um vazio em seu olhar, ela estava radiante por ter visto sua única e preferida sobrinha. Elizabeth no fundo era triste porque não tinha o dom de dar à luz um filho, ela era estéril. Sorri olhando em sua direção, assim que me aproximei, a mesma me deu um abraço apertado e aconchegante, ela tinha o mesmo abraço de minha mãe, possuía o dom de me confortar e fazer me sentir bem. Não sei porque, mas desde meus dez anos, quando meus pais morreram, não fui capaz de abrir a boca para dizer sequer uma palavra. Meus familiares me levaram a especialistas e todos diziam que eu reagi de uma forma diferente, um trauma afetou meu psicológico e não consegui mais me comunicar com a maioria das pessoas. Ainda falava com minha irmã, mesmo que raramente, mas quando me casei, tudo piorou. As agressões físicas, verbais, os abusos, tentativas de homicídio, tudo isso me deixou ainda mais traumatizada e desde então não me comunico nem mesmo com minha filha, que foi uma gravidez de surpresa. Não planejei tê-la, mas a amo incondicionalmente e não seria capaz de dizer que me arrependo, pois isso não seria verdade.

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