Os últimos acontecimentos martelaram em minha mente durante todo o percurso da viagem que durara duas horas. Não pensei que esse tempo fosse o suficiente para nos afastarmos de qualquer civilização, até que ao esticar minha cabeça entre os bancos da frente, pude ver um pequeno bairro do qual nos aproximávamos. Haviam poucas casas, e alguns comércios. Voltei a apoiar-me no encosto do banco traseiro e com desanimo olhei para a janela, o vidro aberto permitia que o vento gelado e algumas gotas da garoa tocassem meu rosto. Dobramos uma esquina, a rua era repleta de pedras em vez de asfalto, e após alguns minutos pude ver os enormes muros atrás de um alambrado, haviam árvores à frente da grade, provavelmente para dificultar a saída, ou amenizar a aparência de prisão que aquele lugar tinha. Uma praça do outro lado da rua, onde uma pequena banca de jornal dividia o território com uma barraca, o que me pareceu ser de comida.
Antes mesmo de chegarmos ao portão, eles foram abertos, tentei me conter e continuar sentada de maneira impassível no banco, mas minha curiosidade gritou mais alto, apertei a fivela do cinto de segurança fazendo-o se desprender de mim, e então deslizei pelo banco até o outro lado, colocando minha cabeça minimamente para o lado de fora. Provavelmente o céu carregado e a garoa fraca contribuíram para aquele cenário levemente assustador, um enorme prédio de cinco andares se instalava ao fim de um grande jardim, as laterais eram cheias de árvores há alguns metros de distância do pequeno caminho de lajotas que o carro percorria em direção a escadaria central.
Duas mulheres esperavam ali, elas usavam roupas iguais, saias até os joelhos, sapatos de fivela e salto médio, um colete azul claro por cima de sua camisa branca, o cabelo de uma delas estava preso em um coque, e a outra, usava uma espécie de chapéu com um véu atrás, junto estava um homem, alto e com uniforme militar, ele tinha uma barba um pouco grande demais na minha opinião, e sua expressão parecia carregar irritação.
O carro parou, e o homem que o dirigia desceu, indo rapidamente em direção ao porta malas. Frederick permaneceu imóvel por alguns segundos, até finalmente virar sua cabeça por cima de seu ombro e olhar em meus olhos uma última vez. Seus lábios se curvaram em um sorriso tristonho, então saiu do carro, abrindo a porta para que eu também pudesse sair.— Obrigada, Fred. — lancei um olhar calmo em direção ao senhor bigodudo que fechava a porta.
Senti um aperto em meu peito ao encarar os degraus, o silêncio foi tomado pelo tilintar de saltos que vinham em nossa direção. Pressionei meus lábios, minha garganta estava tomada por um nó, abaixei a cabeça e encarei meus sapatos, que de alguma forma já estavam um pouco empoeirados. Mordisquei meus lábios e soltei um suspiro, logo meus ombros estavam sendo acolhidos pelos braços de Frederick, que cautelosamente aproximou seu rosto de meu ouvido.
— Não chore, Nev, irei vir te buscar nas férias, você mal verá o tempo passar... Será rápido, prometo. — disse o homem com a voz embargada.
Balancei a cabeça assentindo, mesmo que dali ele não pudesse ver, segurei em seu ombro e então o afastei lentamente, mostrando meu melhor sorriso na tentativa de não permitir que ele se culpasse mais que o necessário. Minhas malas já eram levadas às pressas para cima, e a mulher que agora estava parada em nossa frente, nos encarava de forma impaciente.
— Seja bem vinda ao SRRP, sou a irmã Adelaide e irei lhe mostrar nosso espaço, assim como seu novo quarto, onde irá passar o semestre... — A mulher com coque no cabelo gesticulou para que eu subisse as escadas, então começamos a andar. — O Sistema de reforma e reestruturação pessoal, não tinha esse nome quando foi fundado na década de trinta, esse prédio era usado como um reformatório, logo após um manicômio...
Ao chegar no topo da curta escadaria, olhei uma última vez para trás, Fred acenou e entrou no carro novamente, partindo em direção ao portão. Voltei a prestar atenção no caminho à minha frente, as portas principais eram a entrada para um grande salão com paredes cinzas, homens usando calças cinzas com estampas militares, camisetas pretas e botas de couro estavam parados próximos às catracas que bloqueavam a passagem para os outros corredores, com exceção de um, que tinha uma porta formada por grades de ferro. Fui guiada até uma parede onde haviam pequenas janelas, como em uma bilheteria, então as duas mulheres começaram a se movimentar, assim como a outra que estava dentro da sala. Uma pequena pulseira de couro foi-me estendida, era fina e continha um pequeno aparelho com uma luz verde acesa.
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Alcyon Azul
General FictionO mundo se reconstrói aos poucos, ninguém imaginava que após tantos avanços tecnológicos todos iriam regredir de maneira drástica. Foram necessárias décadas para que a população restante pudesse voltar a viver em paz, e em uma cidade de grande impor...