Capítulo 1 - Introdução

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            O sol brilhava com intensidade nos céus e deixava o dia em uma temperatura agradável para as tarefas que seriam realizadas. O criador de tudo pensava em cada detalhe e não deixaria desamparados seus filhos que treinavam arduamente para proteger sua lei, fosse onde fosse. As areias avermelhadas do local eram vez por outra tocadas por mãos, rostos e costas arremessados de encontro ao chão por pesados e intensos golpes. Seres de muita graça praticavam movimentos utilizando espadas e lanças exaustivamente e seus corpos talhados pela energia superior daquele mundo celeste, aguentavam muito mais que horas de treino, desse modo dias inteiros eram empreendidos na prática de apenas uma técnica, sem nenhum tipo de pausa.

        Perfeição, para anjos dessa ordem, não era apenas uma palavra, mas resumia sua busca diária. Os campos de areia avermelhada repletos de guerreiros de toda sorte não continha apenas espadachins e lanceiros, mas também combatentes mais especializados dentro da hierarquia dos exércitos celestiais. Entre eles estavam os que dominavam as poderosas faixas de luz, verdadeiras armas de destruição, apenas sonhadas por mentes humanas e capazes de empregar a luz em sua forma mais devastadora: raios laser, capazes de cortar e queimar o que se colocasse no caminho da justiça divina. Armaduras poderosas eram confeccionadas a todo instante por trabalhadores altivos e tão divinos quanto os próprios combatentes, construídas apenas para encontrarem destruição em meio a sucessivos impactos dos mais variados golpes. Instrutores, anjos com milênios de idade e que presenciaram o florescer da humanidade terrena, acompanhavam com olhares perscrustantes cada movimento, cada falha, cada sucesso de seus pupilos, sempre prontos a guiá-los, tornando-os melhores combatentes em nome dos céus.

        Os campos de treinamento eram conhecidos como Campos de Marte em homenagem ao próprio deus romano da guerra, que muitos acreditam viver no local oferecendo treinamento na arte da guerra àqueles que obliteraram seu culto da face da Terra e da mente dos homens, talvez um tributo para continuar existindo em um mundo onde deuses pagãos não possuíam mais espaço. Repletos de seres celestiais os campos de marte raramente possuía sua rotina de treinos e mais treinos interrompida, dizem que os campos só estariam vazios e sem guerreiros no dia que a Cidade Prateada, lar dos anjos alados fosse atacada pelos seres inferiores. Falanges inteiras de anjos guerreiros, escolhidos pessoalmente por generais celestiais, praticavam suas manobras de ataque e defesa, resgate e destruição, combate e proteção. Suas atividades poderiam ser das mais diversas e, portanto, suas rotinas de exercícios eram bastante variadas. No entanto, nem todos os seres celestiais treinavam em grupos, nem todos os anjos guerreiros lutavam em falanges. Uma casta muito específica e especial entre eles treinavam sozinhos, agiam sozinhos, lutavam sempre sozinhos. Conhecidos como Captares eram os caçadores de criminosos da justiça dos céus, espiões, guerreiros solitários treinados com o único objetivo de serem bem sucedidos sozinhos, onde um grupo falharia.

        Entre os anjos que treinavam, um deles se destacava por seu instinto implacável, sua lâmina firme e letal que contrastavam com sua aparência delicada e bela. Andiah praticava incessantemente cortes frontais e laterais com sua lâmina sagrada. Estava se preparando, física e mentalmente. Mas na verdade, sua preparação terminara fazia tempo. O que a interessava estava centenas de metros à frente e se aproximava lentamente, pairando sobre o solo, em sua direção, a luz perene e divinal do sol que sempre brilhava nos campos de marte a refletir em sua armadura prateada. Um mensageiro, uma missão. O único motivo de sua existência, servir aos céus.

        Se aproximando dela, tocando finalmente o solo e recolhendo suas asas para um aspecto similar a uma capa, o anjo de cabelos raspados e grossas lentes azuladas nos olhos trazia nas mãos a diretriz da missão a ser realizada. Caminhando até seu encontro Andiah recolheu das mãos estendidas do mensageiro o pergaminho que continha sua missão. Enquanto a caçadora celeste lia cuidadosamente o que deveria ser feito, o anjo mensageiro alçou voo deixando-a para trás sem que trocassem uma palavra sequer. As ordens vinham dos Nimbus, um grupo de anjos burocratas, verdadeiros políticos da cidade celeste, que mesmo em menor número que todas as outras castas de anjos, eram os que ditavam a ordem nos céus. Após absorver as informações contidas no pergaminho, que se desfez em cinzas perfumadas após a leitura, Andiah alçou voo em grande velocidade em direção a uma pequena capela onde sempre orava fervorosamente antes de todas as missões. Cruzava os céus em grande velocidade, suas poderosas asas feitas de energias astrais eram capazes de atingir velocidades altíssimas e sobrevoar os campos apenas a fazia sentir ainda mais a magnitude do local, grupos e mais grupos de anjos treinavam com afinco constante em todas as direções que se lançasse um olhar.

         Na pequena capela localizada em um dos distritos da cidade dos céus viviam os eleitos. Mortais que viveram uma vida justa e honesta e encontraram descanso nos jardins do paraíso após sua morte. Imensos canteiros das mais variadas flores compunham a decoração do distrito e sons variados de flautas, harpas e cânticos sublimes terminavam a caracterização do ambiente celeste. Desenhando o sinal da cruz na altura de seu peito Andiah caminhou pela pequena construção de tijolos azulados e simples vitrais contendo imagens de anjos querubins, as crianças dos céus, eram os únicos enfeites do local. Pequenas esferas douradas pareciam borbulhar como oxigênio dentro da água, surgindo e desaparecendo a todo instante. A caçadora movida por uma curiosidade nada comum em ambientes mais perigosos, mas perfeitamente aceitável, dentro da área de paz e segurança que era a cidade prateada, caminhou por entre elas tentando tocá-las gentilmente apenas para vê-las se desfazerem ao seu toque em milhares de luzes menores que desapareciam ao atingirem o solo.

 - São orações Andiah. - disse uma voz masculina e carregada de tranquilidade, se bem que entristecida. - Orações de crianças em regiões de conflito, por toda orbe terrestre.

        Andiah se virou na direção daquele que falava, um celestial como ela, porém de roupas simples, nenhum tipo de armamento ou proteção, pés descalços, cabelos curtos e castanhos, barba perfeitamente feita. Seu par de asas não era vistoso como de muitos outros, mas a energia que emanava era confortadora. Aproximou-se de Andiah e esticou sua mão esquerda com as costas da mesma para baixo deixando que uma das pequenas esferas repousasse gentilmente sobre ela.

 - Miguel, o anjo da piedade. - disse Andiah enquanto esticava seu braço esquerdo, estendendo sua mão na esperança de uma das pequenas esferas também tocá-la. - Fazia tempos que não o via por aqui, estava peregrinando?

 - De certa forma sim. Tenho tentado atender todas as orações que chegam até mim, mas não sou capaz. O mundo dos homens é repleto de misérias, contudo eles não parecem interessados em se ajudar. O que faz do meu trabalho se torna mais difícil e demorado.

 - Desistir não é uma opção, não é? - um sorriso. Andiah sabia que a missão de Miguel era mais difícil que a sua e que a vontade de auxiliar do mesmo era maior que a vontade de qualquer humano de destruir.

 - Certamente que não. Estive recentemente em locais terríveis, onde o desespero desconhece qualquer mínima fagulha de esperança para mitigar sua intensidade. Isso me fez querer mais e mais continuar com minha missão.

        Andiah assentiu com a cabeça, um gesto característico seu, e ambos se abraçaram. As luzes cessaram de aparecer por um momento não deixando claro para a caçadora à serviço dos céus se as orações pararam de ser feitas ou se os problemas haviam sido resolvidos apenas pelo toque de Miguel nas mesmas. A piedade era uma nobre virtude, mas carregada de dor, pois os humanos só conseguiam se apiedar uns dos outros, em meio ao sofrimento. Naquele momento, era uma boa hora para agradecer por ser um emissário dos céus, um anjo e não uma simples humana. Terminou sua oração e partiu rumo a mais uma missão, sem saber que aquele abraço de Miguel a faria sentir piedade e se compadecer do sofrimento do próximo antes que pudesse imaginar. 

Anjo CaçadorOnde histórias criam vida. Descubra agora