Capítulo 3

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2008

Sérgio Pontes

Hoje faz 30 anos que vi os olhos da minha doce Olívia pela última vez. Nunca me esqueci dos seus olhos assustados e de quanta tristeza havia neles. Eu compartilhava a sua dor por saber que não mais nos encontraríamos.

Depois de ser socorrido ao hospital da cidade e receber os primeiros atendimentos, meu pai me transferiu para a Capital, Belo Horizonte. Toda a família tinha medo que eles voltassem atrás de mim, eu sabia que ninguém mais viria, eles foram bem claros.

Não voltei pra casa por muito tempo, terminei a faculdade de medicina em São Paulo, longe de toda a loucura que era guerra entre as nossas famílias. Soube por um dos meus irmãos que pouco depois que me mudei Olívia se casou, um político, o genro perfeito para o pai dela. Nossas alianças continuam guardadas na mesma caixinha de veludo. Tentei me desfazer delas inúmeras vezes, mas algo sempre me impedia. Acabei guardando, como uma lembrança boa de um amor bonit0o que não pôde acontecer, para sempre me lembrar do jovem que eu fui, mas, principalmente, para, como pai, nunca me esquecer de apoiar os meus filhos quando derem de cara com o amor.

Aos poucos fui me adaptando à rotina de médico recém formado, muito trabalho, pouco descanso, era bom, sobrava pouco tempo para pensar nela e em tudo o que deixamos de viver. Conheci Marina no último ano da faculdade, ela também é médica nos demos bem logo de cara, era fácil me relacionar com alguém que entendia minha rotina e minhas ausências. Ela sempre soube que eu tinha um passado, mas nunca me questionou sobre ele. Com o tempo eu aprendi a amá-la. Dois anos depois nos casamos e começamos a nossa família, um casal de filhos, Rafael e Gabriela, nossos anjos, que nos uniram ainda mais. Marina engravidou da Gabi quando ainda estava no período de licença maternidade o que tornou nossa vida uma loucura, dois bebês em casa nos fez ainda mais fortes e unidos.

A guerra entre os Pontes e os Andrade pelo poder em São João dos Milagres não acabou, mas hoje as coisas estão mais controladas, meu pai sofreu um acidente de carro a 10 anos e perdeu os movimentos dos membros inferiores, isso o deixou depressivo por muito tempo. Meus tios nunca estiveram dispostos a enfrentar a briga de fato, apenas apoiavam meu pai, com ele fora da jogada as coisas acabaram se acalmando.

A cerca de 3 anos o coronel Luiz de Andrade sofreu um AVC que o deixou com muitas sequelas. Sem os chefes, nenhuma das duas famílias teve coragem de continuar os enfrentamentos. Agradeço a Deus por isso, já basta de violência e morte. Todos já tivemos a nossa quota.

Volto da minha viagem ao passado quando escuto uma batida suave na porta do consultório, e então ela entra.

- Atrapalho? - pergunta minha esposa.

- De forma alguma meu bem - a chamo com a mão. Ela caminha em minha direção e se senta em meu colo, depositando um beijo suave nos meus lábios.

- Rafa me ligou. Está vindo pra casa. Chega para o jantar e não está vindo sozinho.

- Uma garota? - pergunto curioso. Meu filho nunca trouxe uma garota para casa, em quase cinco anos de faculdade, esta é a primeira vez que traz alguém para conhecermos. Está cursando o último ano da faculdade de Direito em Curitiba, vem nos ver com bem menos frequência agora. Sei que Marina sofre por tê-lo tão distante e está contando os dias para que volte para casa.

- Acho que ele está apaixonado. Ela se chama Lorena, parece que é filha de um deputado, a família é de Minas, talvez seus pais conheçam.

- Acho que não, papai não se envolve com a política desde o acidente, e convenhamos, é melhor que continue assim. - ela ri, adoro o som claro do riso dela.

Por Nossos FilhosOnde histórias criam vida. Descubra agora