Queime como álcool.

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Eu já tive mais amores em um ano que um homem adulto teve em toda sua vida. Mesmo agora, consigo lembrar de cada um deles, ao menos os que eu realmente amei com todo meu coração. Eu tive um amor que teve a chama da reciprocidade acesa até o fim. E mesmo quando não tinha a menor possibilidade de recomeço, dissemos um último "eu te amo" e nos desligamos um do outro. Eu ainda casaria com ela. Eu tive um amor que se construiu por dor. Eu a conheci no momento mais difícil de sua vida, todas as noites ela se entregava a morte. Mas até mesmo ela, sabia que não era sua hora ainda. No fim, ela disse que ninguém jamais me amaria e exclamou o quanto eu era desprezível. Eu também amei alguém que dizia ter medo de me amar, não trocamos mais que um abraço forçado e sem graça. No fim, alcoolizado com cidra e desespero, eu disse que não aguentava amar ela. Mas de tantos amores, eu tive um que foi puro e inocente. Crescemos juntos, brincamos e aprendemos a crescer juntos. Eu era dela, ela não era de ninguém. Mesmo criança, Clara era uma leoa que ninguém domava. A pior coisa que ouvi de sua boca era que ninguém seria capaz de me amar, afinal, eu era feio. Mas hoje, toda vez que a vejo, ainda sinto uma pontada no meio do meu peito. Eu te amo?

Anos antes de começar a me importar com amor, eu voltava ao meu trio perfeito. Eu, Victor, Gabriel. Éramos os melhores amigos do mundo. Eu consigo lembrar que sempre havia briga para quem ficaria com o Power ranger vermelho. Pelo lado bom, eu sempre preferi o preto. Eu já tinha perdido minha vó a alguns anos. Eu não imaginei que visitaria um cemitério tão cedo depois daquilo e certamente não queria. Mas como se fosse ontem, eu lembro que de costume, eu acordava, ia pra escola e no caminho, gritava o Victor na porta de casa. "Coe, Victor." E com a voz mais alegre, eu recebia: "Eaeeeeee" mas naquele dia não ouvi. E só mais tarde eu pude entender o porquê. Victor estava no hospital... Não lembro bem os detalhes mas ele estava em coma por algo que ele contraiu na rua. Ele ia melhorar, eu precisava que ele melhorasse. E alguns dias depois, ele melhorou. Ele acordou no meio da madrugada e abraçou sua mãe. Como uma brisa, a linha do destino foi rompida, e em um suspiro, ele se foi. Receber aquela notícia pela manhã foi algo perturbador e doloroso. Eu não varia mais meu melhor amigo, eu não seria mais quem acabaria com a briga tola entre os Power Rangers.

Eu estava aqui, vendo meu amigão deitado. Eu era a única criança ali porque todas as mães estavam com medo de seus filhos pegarem a mesma doença. Eu estava ali com meu amigão. Eu ouvi sua mãe pedir que eu continuasse a chamá-lo. Eu não saí do lado do meu amigão. Eu estava sendo uma criança forte e não sairia do lado do meu amigão. Mas chegou uma hora, que tivemos que leva-lo. Eu tive medo da morte e sai do lado do meu amigão. Eu estava fraco, eu estou escrevendo isso abalado. No final, nosso líder se foi. Go, Go.

Como uma criança, eu estava próximo dos meus nove anos. Naquela altura, minha mãe tinha uma nova amiga que com seus dois filhos, não saíam da minha casa. Eu os amava, e pela sorte deles, eu não deixo nunca de amar alguém. Ali eu tinha um irmão e alguém que eu não conseguia proteger, era ao contrário; sempre que dormimos juntos, ela ficava próximo a mim e me abraçava. Tão boa... Mas eu sabia, assim como a vida nos traz coisas boas, coisas ruins também acompanham. Era começo de 2011. Próximo do carnaval. Eu acordei doente, mal conseguia ficar em pé. Eu não tinha medo ou algo do tipo, eu nem mesmo lembro o que senti naquele longo ano. Mas o primeiro dia que eu fiquei sem levantar do sofá, foi a última coisa que me lembro antes de acordar em um quarto de hospital. Eu estava saindo de um coma, não sei bem como aquilo aconteceu e ainda hoje, enquanto escrevo, meus olhos se enchem de lágrimas e um medo que corroe meu peito. Diagnóstico? Diabetes. Causada por algum trauma emocional. Qual? Foram tantos... Quase um mês internado. Assim que eu voltei para casa eu recebi milhares de abraços e pessoas alegando medo em me perder. Eu vi meus dois melhores amigos todo dia, na verdade, o primeiro dia em casa lá estavam eles. Me oferecendo o notebook para saciar meu tédio. Mas, no segundo, quando os vi, aquele tchau que recebi foi diferente de todos. Porque foi a última vez que os vi. Depois daquilo, eu nunca mais recebi sequer uma ligação. Eles foram embora. Assim como aconteceria muitas vezes daquele momento em diante.

O estrago que ficou. Onde histórias criam vida. Descubra agora