dois

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Dara




Desorientada, Dara despertou com um solavanco, como se despertando de um pesadelo. Piscou para o céu estrelado e percebeu que estava em movimento, o que devia ser impossível já que ela, além de se sentir tonta, não conseguia sentir as pernas. 

Ouviu uma respiração pesada sobre sua cabeça e foi então que percebeu. Estava nos braços de alguém e, levando em conta os braços fortes que agora sentia ao seu redor, esse alguém era um homem. 

Sua mente ainda estava embaralhada e ela não conseguia fazer sentido de muito ao seu redor, mas sua mente não precisava de muito para registrar o absoluto terror quando finalmente percebeu que não estava mais no bar. 

Estavam no estacionamento, ela e o homem que a carregava, e, no seu tormento, a escuridão do lugar parecia se mover entre as sombras e seguiam na sua direção, como se a quisessem engolir. 

Dara não gritou, não tentou se mover, não fez nada; muito embora fosse tudo que queria fazer no momento, sabia que aquilo não adiantaria de nada. Se aquele homem ou qualquer outro quisesse usá-la como o monstro que um dia a teve refém a usou, ela nada poderia fazer para impedir aquilo e isso, essa impotência, esse sentimento de insegurança que nunca a abandona, o temor de que nunca, nunca estará de fato segura é o que a aterroriza dia e noite. 

Mais do que o terror por apenas ser mulher, algo biológico, imutável e tão simples, e mais do que a certeza de que homens como o seu padrasto existem aos montes e que muitos deles estão ao seu redor, o que Dara mais teme é também a certeza de que não pode fazer nada sobre isso. 

E isso ela presenciou em primeira mão, isso ela sentiu na própria pele e hoje está marcado nos seus ossos – sua impotência é o que os motiva, mas a sua resistência é o que os alimenta. 

Nos últimos anos de cativeiro, ela pouco fazia além de respirar apesar da dor. Não lutava mais, não gritava mais, nem mesmo quando tudo o que mais queria fazer era isso. Queria lutar contra ele, queria afastá-lo do seu corpo e gritar até ficar sem voz, até que alguém, não importa quem fosse, viesse ao seu socorro. Mas Gael se alimentava do seu sofrimento e somente as suas lágrimas já o levavam além. 

Então Dara não fazia nada. Não gritava porque não sabia quanto mais seu corpo podia aguentar. Não chorava porque não daria esse prazer a ele e somente depois, quando sozinha e remendando as próprias feridas, ela se permitia ruir, mas apenas ali. 

Gael gostava quando ela chorava, quando tentava afastá-lo, quando implorava para que parasse, porque sua dor era dele, posse dele como tudo mais era e há muito pouco que um ser humano já desumanizado é capaz de aguentar antes da sua ruína. Havia muito pouco que as partes de si tão cruelmente quebradas pudessem aguentar antes de se regenerar outra vez e ela sentia estar muito próxima de um ponto sem volta. 

Então, se ele roubaria o pouco que lhe restava da alma, ela não lhe daria a satisfação que ele buscava. Foi a maneira que encontrou, na situação em que se encontrava, de também agredi-lo. Foi também o que lhe custou mais do que as agressões jamais conseguiram e sua mente foi o que mais sofreu com isso. 

Porque ele viu aquilo como desistência, obediência, como uma aceitação ao ponto em que um dia ela começou a pensar o mesmo. Aquilo sim foi a sua ruína. E ele a ruiu, mais vezes do que pôde contar. 

Entretanto, havia pouco mais restante que ele pudesse quebrar e, ainda que quebrada, aquilo também foi a sua força.

Porque seres quebrados quebram até certo ponto até que se tornam mais fortes. 

MACKENZIE: O JUIZ PROTETOR | LIVRO 1Onde histórias criam vida. Descubra agora