Prólogo

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Ano de 2019...

Os pneus do carro deslizam pelas pistas úmidas das estradas de Ohio. Seis exaustivas horas de viagem ficam no tempo, restando-me apenas mais uma hora até meu destino.

Sinto o coração acelerar e tenho que parar o carro no acostamento. Quando giro a chave na ignição, desligando o veículo, minhas mãos automaticamente desprendem-se do volante e se esticam perante a visão. Olho para elas, dramaticamente trêmulas, e, desajeitadamente, busco no porta-luvas meu remédio controlado para ansiedade.

Quando o encontro, tomo uma cápsula. Depois de engolir, respiro fundo, recostando a cabeça no banco do motorista e ali quedo-me a aguardar o efeito esperado da droga.

Fico assim por alguns minutos enquanto executo a respiração de relaxamento que a terapeuta me ensinou. Aos poucos vou me acalmando, as mãos relaxam, o coração desacelera suavemente e pouco a pouco o equilíbrio físico me domina.

Aciono o carro e volto para a pista. Averiguo o aplicativo de localização do celular que indica uma hora até Lakewood. Ligo o som do carro, coloco uma música suave e sigo.

Exatos sessenta minutos depois, estou em frente à casa dos meus pais, olho para a construção cinza com janelas brancas e nem parece que uma década se passou desde que coloquei meus pés pela última vez em Lakewood.

A cidade em nada mudou, ao meu redor tudo continua exatamente como antes: o mesmo alarido de pássaros coloridos sobrevoando o céu azul no final das tardes, o mesmo ressoar dos sinos das bicicletas nas ruas laterais, a mesma brisa morna de verão a balançar as folhas das árvores na praça central, as mesmas pessoas e os filhos dessas mesmas pessoas a cruzar a rua principal, os mesmos prédios antigos, as mesmas casas coloniais, o mesmo cinema histórico e o mesmo lago azul com sua orla apinhada de crianças.

Há dez anos saí desta cidadezinha sem me importar em olhar para trás, deixando todas as mágoas e lembranças do que vivi por aqui. Nunca mais voltei. Nada relacionado a este lugar me interessava. Assim que saí daqui, enterrei-o junto com meu passado.

Agora, dez anos mais velha e amadurecida, depois de estudar, de me formar em jornalismo, com uma proposta irrecusável de trabalho, estou de volta.

Pego minha mala no chão, subo as escadas da varanda e bato à porta. Espero alguns segundos até que ela se abra e, quando isso acontece, vejo minha mãe ali atrás.

Ellen Mitchell sempre foi meu porto seguro, a mulher forte e bem-sucedida que eu admirava. Quando tudo aconteceu, ela escolheu apoiar minha irmã. Não que eu tenha imposto uma escolha aos meus pais, não era justo com eles. Mas, dada a situação de fragilidade em que ela se encontrava, eles não tiveram outra opção além de dar todo o suporte a Samantha.

E eu? Eu era somente a filha brilhante com uma vaga garantida em Harvard. Logo sairia de casa e todo o conflito se resolveria.

É estranho como somos esquecidos pelos nossos pais quando fazemos tudo certo na vida. Eu estava sofrendo, gritando por um apoio, mas havia alguém mais frágil e necessitada do que eu. Eram muitas pessoas gritando pelo socorro dos meus pais e eles socorreram aquela que gritou mais alto.

Minha mãe fica ali parada, olhando-me fixamente. De repente, ela suspira do modo mais triste que uma pessoa é capaz de suspirar e desaba em um pranto desesperado. Deixo minha bolsa cair no chão e corro para ampará-la.

- Minha menina! Como Deus pode tirá-la de mim? Tão jovem, tão bonita, com tanta vida pela frente! Tudo é muito injusto, minha filha. Muito injusto!

Sinto sua dor porque ela é minha, também. Arrependo-me por não ter voltado antes, por não ter superado a mágoa, por não ter sabido perdoar. Agora é tarde. Agora não há mais tempo nem oportunidade. Agora, tudo é pó.


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