PARTE VI

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Marcela Dutra

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Ouvi dizer por ai que agora ela desaprendeu a ficar. Que vai embora antes de irem. E abandona antes de ser abandonada. Não que eu tenha buscado informações sobre os rumos que a vida de Agnes tomou. Não é isso. É um pouco de culpa. Sei que talvez a razão de tudo isso é que ela cansou de estar sempre do outro lado e resolveu inverter os papéis. E o pior é que ela acredita poder fazer isso sem peso na consciência, pois ninguém nunca ousou permanecer única e exclusivamente por ela. Nem eu. Mesmo quando eu tive a chance em minhas mãos, eu simplesmente optei ir embora. Eu parti como quem abandona um barco naufragando ou escapa de uma jangada quando a vela se quebra e ele caminha a deriva em noites tempestivas. E por falar em tempestade, minha mente me castiga rebobinando como um replay pungente aquela noite de tempestade em que juntas estávamos e os trovões atemorizando-a, fizeram com que me abraçasse forte pedindo que eu ficasse para sempre. Era um pedido tão clemente que tornava-se lancinante dentro de mim, porque eu sabia que Agnes não merecia nada do que eu estava fazendo. Minha consciência pesava de tal modo que eu não aguentei o peso. Era lascivo vê-la depositar tanta confiança em mim e em suas costas eu agir sorrateiramente. A insídia de Dominike foi maquinada de forma traiçoeira e eu não conseguir levar em conta uma dose sequer de sanidade para recusar suas investidas. Então eu ignorei todas as promessas de permanência e simplesmente fui embora.

Eu esperei até que Agnes finalmente dormisse, para então me desvencilhar de seu corpo e seguir para algum lugar longe o bastante para que eu ficasse um pouco a sós com a minha consciência. Dizendo apenas um adeus em um sussurro sorrateiro enquanto ela dormia, deixei para traz a imagem de seu corpo despido entre os lençóis em um sono suave e desprotegido. A cama que antes fora o cenário das nossas caricias e gemidos, agora era um panorama de abandono. Olhei de soslaio e vi seu batom vermelho largado por cima de um cômodo qualquer do quarto, então o peguei em minhas mãos e escrevi no espelho algo o mais próximo de uma despedida que consegui formular para que você entendesse que se tratava de um adeus.

"Você merece mais do que sou"

A frase escrita no espelho em letras garrafais em uma grafia horrível foi meu golpe de minerva. Minha mente estava tão perdida que nem ao menos pensei naquele momento em como se sentiria quando acordasse na manhã seguinte. Tentando encontrar respostas para responder as razões que motivaram a traição, eu culpei a rotina, eu culpei você, eu culpei tudo para simplesmente não precisar admitir que a única culpada era eu e a minha imaturidade de não enfrentar as coisas com desassombro. Eu me deixei cair nas garras de um sexo que eu acreditava ser só uma única vez e quando me vi, eu já estava presa em uma teia da qual eu não conseguiria me soltar. Você iria descobrir de qualquer modo e eu precisei ir antes que a descoberta acontecesse da pior forma. Eu poderia ter jogado limpo e ter te confessado tudo, esperando que sua benevolência me oferecesse uma segunda chance ou algo próximo disso, mas falar de traição por si só já era difícil, explicar que Dominike era a outra pessoa, isso sem dúvidas me embargaria a voz. Como confessar que me deixei cair no jogo ardiloso de alguém que comportava-se como um lobo em pele de cordeiro? A verdade é que Dominike sempre teve fascínio pelo perigo e acho que foi isso que a fez me querer com tanto afinco. Eu era uma espécie de troféu e eu acabei percebendo isso de modo tardio.

A linha tênue do prazer [Romance Lésbico]Onde histórias criam vida. Descubra agora