AMIS

Capítulo 2 - Rebecca-Fim de contrato

Emanoel veio me dizer que estou, digamos que nas últimas. Não sei muito bem, mas aos poucos memórias de tudo que passei com amigos durante minha vida, veio a minha mente agora, tudo voltando, memórias passadas tudo.

O incrível é que coisas das quais não lembrava que havia passado estão em minha mente, eram coisas minhas, como se eu já houvesse vivido outras vidas, com outras pessoas, outro corpo, outras perspectivas, outros tudo.

Emanoel me contava sobre tudo pelo que já passei desde minha real concepção* até hoje. Eu sou velha! posso ter morrido(e sim já me toquei que morri) jovem, mas tenho milhares de anos, milhares de vivências diferentes.

Essa de morrer jovem já é hábito, todas as vidas que pego no monte*, acabam antes dos 30. Juro que não fazia por mal. Eu até tentava durar mais.

Emanoel brigava freneticamente comigo, ele era meu conselheiro e não entendia como eu sempre falhava na missão da vida, dizia que meu contrato acabou.

Completar essa missão não era fácil, pelo menos não para mim! Ser uma pessoa: Boa, benevolente, honesta, paciente, carinhosa, dentre outras coisas boas das quais não me lembro. Em todas as minhas vidas tentei ser uma pessoa assim, mas não consegui, não que eu seja uma pessoa ruim, mas eu não sou de tudo boa.

Minhas vidas passadas foram quase que bem sucedidas, se não fosse pelo fato deu ter morrido nelas. Me lembro de cada erro, ou melhor, de cada erro que me fez morrer.

Uma vez morri por desobediência aos pais, que me mandaram ficar em casa com a família para a ceia de natal, e eu fui passear com os amigos, em seguida veio uma bebedeira e um acidente de carro. Ainda outra vez por desobediência(e essa foi minha vez mais curta no mundo) não obedeci aos médicos quando me disseram para empurrar... A situação era mais ou menos assim:

Mãe -- Tira isso de mim!!!

Médico -- Força, muita força, empurra!

Mãe. -- Não estou conseguindo!!!

Médico -- Vamos lá bebê, colabora, faça um pouquinho de força, empurre também!

Eu -- Nhão!!!- Fazendo força com as mãos para não sair daquele lugar quentinho.

Resumindo, meu cordão umbilical não foi cortado a tempo, e uma sequência de coisas que a minha demora em sair de lá provocaram, cooperaram para meu falecimento duas horas após o nascimento. Emanuel nunca me perdoará por isso! AiAi.

Bom, não sei ao certo se especifiquei o lugar onde estou, e nem como as coisas funcionam aqui, primeiramente, aqui não é o céu, ou paraíso como deve imaginar, ou ao menos não ainda. Aqui não tem um nome definido como "Aqui é o...", o que dificulta a criação de frases como "Estou em..." , bom é só uma luz.

Aqui é onde as pessoas são concebidas, mas não imagine uma mulher dando a luz a umonte de criancinhas e uma parteira do lado orando pelo ventre abençoado, aqui "o buraco é mais em baixo".

Acontece que o tal nascimento que conhece é o nascimento simples, aqui ocorre a real concepção, onde sua luz realmente foi feita, foi daqui que você saiu, uma luz maior te criou e pimba você foi encaminhado para o monte, no monte você escolhe a vida que vai levar na terra, do monte você vai para a concepção simples, depois de se " estar vivo " vem a morte, e depois o breu e logo após o monte novamente.

O ciclo da vida para mim acabou. Meu contrato expirou. Não é que tenhamos um prazo de validade ou coisa do tipo, mas temos uma missão(que já falei a respeito) e se a mesma não for cumprida... acontece o que vai acontecer comigo, vou virar uma vagante!

Para os que alcançam ao nirvana, aos que pegam suas vidas no monte e as aproveitam, há o Paraíso! Já para os que não conseguem ou para os que morrem cedo, como eu, temos a vagação. A vagação consiste em ser a alma que te assombram a noite, as que não podem pegar mais vidas no monte, as que estão sem cogumelos verdes. Já o paraíso é a mesma coisa só que sem assombrar ninguém, e em um lugar belo e harmonioso.

Emanoel está me chamando. Meus dias acabaram. Estou me dirigindo para a terra, mas sem um corpo, só minha luz, serei aquela pessoa que está te observando o tempo todo, aquele rosto que você vê no escuro, aquela que você ouve cantar pela casa, mas tem medo de ir atrás, aquela que está atrás de você agora... Talvez... Quem sabe?!

* BÚH *