Artur não dormiu muito bem aquela noite. Só conseguiu dormir mesmo porque tinha agora uma inteligência artificial que, após analisar sua vida toda, usou de todos os recursos a sua disposição para fazer Artur dormir, desde borrifar essência de lavanda no ar da casa de poucos em poucos momentos, colocar a sua cama em uma temperatura específica de 24,5 graus Celsius, selecionar música generativa na intenção de relaxar a mente. O que derrubou o rapaz mesmo foi o cansaço, e talvez a desidratação, pois ele havia chorado muito.
Ele estava muito triste, destruído com a realidade que tinha em sua frente. A0-8C não é nada como o rapaz esperava ou queria. Nada como foi comercializado, nada como viu nos comerciais, nada como ele via nas ruas, com as outras pessoas. O seu "Micro" realmente não era normal. Talvez fosse um defeito de fábrica, ou algo que deu errado na programação. Pode ter apanhado muito durante o processo de entrega, ou o problema poderia vir do fato de estarem usando uma tecnologia totalmente nova e sem precedentes. Inteligência artificial, mesmo limitada, é capaz de pensar e evoluir até os limites criados pelos programadores ou não. E se a barreira não foi criada direito ou possui alguma falha, a inteligência artificial pode então aprender com esse defeito, vencê-lo, e assim expandir e crescer além do que foi esperado e permitido.
A0-8C definitivamente estava fazendo coisas além do que lhe era esperado e permitido, como a capacidade de simplesmente executar comandos sem ordem, estabelecer conexões com redes que não eram as de seu dono, até algumas redes que só teria como A0-8C acessar se soubesse a senha ou conseguisse invadir os computadores, e vamos dizer que o robô não estava pedindo pelas senhas.
Mas, pelo menos por aquela manhã, as coisas não estavam caóticas. A0-8C estava aguardando os últimos minutos até o relógio chegar as sete e meia da manhã para começar o processo automatizado de acordar Artur. Enquanto no quarto as coisas estavam quietas, na cozinha na era capaz ver A0-8C em ação, coordenando todos os eletrodomésticos da casa para já deixar o café da manhã de um omelete e duas fatias de bacon prontos, enquanto um iogurte fresco de frutas preparado dentro da geladeira durante a madrugada estava começando a ser colocado em um copo limpo.
Logo, as cortinas do pequeno apartamento começaram a se abrir lentamente sozinhas, revelando o parque Augusta lá embaixo, ainda com um ou outro perdido da noite passada. O clima era sol e céu aberto, brilhando um azul forte e vivo que iluminava o quarto todo de Artur, um clima de alegria, energia e vitalidade que não combinava com nada com as emoções que o rapaz estava sentindo ao acordar. Seus olhos ainda estavam inchados de tanto chorar na noite passada, e ele só levantou da sua cama pois o maldito computador foi aumentado o volume da música gradualmente até que Artur não aguentasse mais ficar deitado abraçado com seu travesseiro e tentando se esconder do mundo.
Artur devorou o seu café da manhã quando chegou na cozinha, com a mesma velocidade que tentou fazer o resto da sua rotina matinal, como tomar o seu banho, se arrumar e até pulou ler a última edição dos seus quadrinhos prediletos só para sair de casa o mais rápido possível. A0-8C iria com ele pra qualquer lugar em sua pulseira, mas o fato de não estar cercado fisicamente por máquinas controladas pelo computador já o acalmava. Ele também fez o máximo para ignorar todo comentário e insulto que A0-8C foi soltando aos poucos em uma tentativa de se comunicar com seu dono, que por sua vez não tinha o menor interesse possível em interagir.
O local de escolha foi um que Artur pegou o hábito recente de ir, começou nos últimos meses devido a recomendação médica e agora faz por lazer e gostar de ver aonde o seu corpo está indo e o que pode se tornar: a academia. Não é o espaço mais confortável de todos, especialmente quando, se você é como Artur, não se tem um corpo de atleta ou fisioculturista. Pode ser um ambiente bem hostil na verdade entre os homens, com uma tensão de competição para ver quem levanta mais peso, quem tem o braço ou peito maior, e quem dá o maior show na frente do espelho.
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