Família (in)feliz

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Meu nome é Joane Dayles, tenho dezesseis anos e minha vida é algo que eu não gostaria de ter. Meu pai é advogado, minha mãe engenheira e minha irmã Vanessa, cursa medicina e eu? Bom eu estudo num colégio em tempo integral para simplesmente passar num vestibular que eu sinceramente nem sei o que eu quero fazer... Eu só tenho um amigo, Leon, sempre conversamos mas ele nem sabe quem sou eu de verdade, afinal somos amigos apenas virtualmente, pelo que ele disse ele mora a uns dois mil quilômetros de distância de mim. Eu não faço terapia porque meus pais acham que é desperdício de dinheiro e tempo e que tudo o que eu sinto não passa de frescura e fase de adolescente por isso considero normal me sentir triste o tempo todo. Já que vou usar isso aqui pra falar de como é minha rotina vou deixar avisado logo no começo: eu sou uma pessoa extremamente tóxica pra mim mesma; eu estou sempre me punindo por algo, por ser gorda e comer qualquer coisa, por existir, por fazer tudo errado, respirar, viver, sei lá; eu vomito toda vez que eu como, tenho gastrite e minha garganta dói muito, me corto pra aliviar a tensão e o sentimento de vazio que me consome. 

Mas Joane porque esse vazio, sua família não passa necessidade alguma, que tipo de problema você teria??? Pois é, todos falam isso mas ninguém realmente sabe o que se passa na casa e na vida de outra pessoa, meu pai é um viciado de merda que já espancou minha mãe na minha frente, minha mãe é uma mulher com medo do que a vida pode reservar pra ela então ela se mantém no mesmo lugar de sempre, e é compreensível não ter reação e ficar estagnada nas garras de um cara que a traí, bate nela quando usa cocaína e bebe muito, a minha irmã é uma pessoa completamente sádica, deve ter puxado isso do meu pai... ela se faz de anjo na frente de todos, mas sou eu quem apanho todas as noites pra ela descontar suas frustrações de não ter uma vida feliz, como se eu fosse a responsável por isso e talvez seja, afinal ela perdeu seu posto de queridinha do papai depois que eu nasci, é o que ela vive dizendo... ela diz tantas coisas ruins sobre mim, a maior parte é verdadeira, como eu ser gorda e nojenta. Minha mãe acaba sempre chamando minha atenção com relação ao peso, sei que não é a intenção dela, mas pra que reclamar se eu for comer e depois reclamar quando não tô comendo???

Essas são as únicas pessoas de fato presentes na minha vidinha medíocre e elas só me aguentam por obrigação de ser minha família, menos o Leon, ele eu realmente não faço ideia do porquê está aqui. O conheci a alguns meses atrás por uma rede social, nos aproximamos e desde então conversamos todos os dias, evito desabafar com ele porque sinto que vou ser mais uma carga emocional pra qualquer um que ouça meus problemas... Normalmente conversamos sobre desenhos, séries que assistimos e recomendamos um para o outro, trocamos músicas e poesias, não sei ao certo o que sinto por ele porém tenho consciência de que não tem como ninguém gostar de mim da mesma maneira então nem insisto no assunto, o que posso dizer é que confio nele e não quero que ele se decepcione comigo. Nunca vimos os rostos um do outro mas consigo o imaginar na minha mente, talvez abstrato mas o imagino como um menino doce e de sorriso bonito, olhos escuros e um cabelo grandinho, macio e bom de fazer um cafuné, não consigo dizer se ele é branco ou negro, mas não que eu me importe, o jeito dele me cativa de uma forma inexplicável. Só dele me ouvir, conversar comigo diariamente e me distrair da minha vidinha, isso já basta. 

Todos os dias acordo pontualmente as 6 horas e 35 minutos, tomo banho, penteio meus cabelos que são curtos e pretos, escovo os dentes e lavo meu rosto na pia do banheiro antes de sair, observando no espelho as olheiras de alguém que dormiu duas horas porque tem insônia e precisa acordar cedo, as 7 horas em ponto lá estou eu, caminhando até o colégio que me faz tão mal, puxa vida que dias empolgantes os meus não???? Ao chegar na escola me sento na última carteira da fileira da parede, para que ninguém me incomode ou eu não incomode ninguém, não que isso ajude de algo, no final sempre tiram fotos minhas e mandam num grupo da sala que fizeram mas não me colocaram, descobri isso porque a Anne, uma das garotas populares da minha sala deixou o celular na mesa desbloqueado bem nesse grupo... Obviamente fiquei triste mas como a covarde que sou deixei de lado e coloquei meus fones de ouvido para não ouvir as gargalhadas causadas pela minha cara feia. A escola é realmente um lugar complicado de se estar, né? Me pergunto porque estou fazendo isso sendo que nem sei se é o que eu realmente quero da minha vida e a resposta é bem simples: Minha vida está no piloto automático, não tenho controle de nada, só faço o que dizem que é certo e o que me mandam fazer, por isso não tomo posição alguma, sou submissa de tudo e todos, sejam minha família ou minha mente. O sinal bate as 18 horas e 25 minutos e então caminho de volta para casa ouvindo músicas e torcendo pra ser assaltada, reagir e não sobreviver, seria engraçado se não fosse verdadeiro. Chego em casa, tomo outro banho, me sinto muito suja depois de ir a certos lugares, coloco um pijama, música e fico usando o celular ou tento dormir, nunca funciona a parte de dormir mas eu pelo menos tento, falhando como em tudo o que faço. 

Decidi escrever esse diário pra mudar minha rotina

não

que

alguém se importe

ou

vá ler


mas como é algo unicamente meu, 

posso escrever

c o m o 

eu QUISER! 

 E FODAM-SE AS DATAS!!!!!! esse diário se passa na minha época, enquanto estou viva, essa é a datação temporal que >eu< preciso.


Me sinto livre.



O diário de JoaneOnde histórias criam vida. Descubra agora