Capítulo 1 (Parte 1)

16 1 0
                                    

Eu paro na frente da seção de revistas como se estivesse em dúvida se quero ler sobre o último filho de uma celebridade ou sobre quais as melhores plantas para o jardim nessa época do ano. Sou a única cliente, uma vez que a loja está prestes a fechar. No caixa, um adolescente de cabelos compridos e cheio de espinhas olha distraído o celular, a mente completamente vazia de coisas interessantes. Pergunto-me se ele sabe estar pisando exatamente onde mais de vinte anos atrás Jennifer tinha caído no chão e nunca mais levantara. Provavelmente sim, a cidade é pequena e acontecimentos como aquele não devem ser frequentes. Sua mãe deve ter mandado ele tomar cuidado com estranhos que entrassem na loja. O conselho obviamente não fora seguido. Sou uma completa desconhecida e ele não levanta a cabeça para olhar na minha direção nem por um segundo.

A dona da loja, porém, tinha aprendido muito bem a lição. Assim que eu entrei ela veio da sala dos fundos, onde deve ter me visto pelas câmeras de segurança. Outra lição provavelmente aprendida por causa de Jennifer. É baixa, rechonchuda e de cabelos vermelho berrante, e se eu me concentrar mais um pouco poderia lembrar seu nome. Foi ela quem pagou pelo enterro de Jennifer, uma vez que na cidade até onde todos sabiam ela não tinha família. Um gesto caridoso, embora o túmulo nunca tenha sido ocupado. Faz com que eu sinta simpatia pela senhora quase beirando os setenta anos. Viro minha cabeça para sorrir para ela, e nesse momento percebo o meu erro.

"Tão familiar", ela pensa. "Mas de onde? Ela me lembra Martha, mas é claro que não pode ser. Martha morreu há vinte anos, não teria mais essa idade, e o cabelo é diferente. Será uma filha?"

Como se sentisse meu pânico, nesse momento o sino da porta toca e outro forasteiro entra na loja. Um homem alto, de cabelo e barba escuros e olhos azuis. A fina cicatriz em seus lábios se ergue quando ele sorri para mim, mas eu noto que por trás do sorriso está a exasperação que Andy parece sempre me reservar.

- Lydia, você já comprou? Nós precisamos ir. - Eu agarro a primeira coisa que vejo, um pacote de salgadinhos, e viro em direção ao caixa para pagar, onde a velha dona já está. Ela quer aproveitar a oportunidade de olhar mais de perto para o meu rosto sem que pareça intrusivo. O adolescente continua sem prestar atenção aos dois estranhos ou à dona que agora ocupa seu espaço.

Percebendo as intenções da mulher, Andy toma o salgadinho das minhas mãos e diz:

- Eu pago, espere no carro.

Saio da loja de conveniência para o vento congelante que indica a proximidade do Natal mesmo no deserto. Wadsworth, Nevada é uma cidade minúscula, composta de pouco mais que uma prefeitura, que também faz as vezes de centro comunitário, uma escola e uma igreja. Procuro até avistar o carro de Andy estacionado sob os galhos de uma árvore desfolhada. É um off road grande e amarelo que sempre considerei estranho andando pelas ruas de Portland, mas naquela cidade parece extremamente apropriado. Eu tinha pegado o ônibus até Wadsworth, dobrando a jornada que normalmente demoraria umas nove horas, mas não valeria a pena vir de carro porque Andy eventualmente iria me encontrar. Ele sempre encontrava.

Dentro do carro, uma garota idêntica a mim me encara com olhos assustados. Ela enrola com os dedos seu longo cabelo castanho claro, exibindo as unhas roídas e descascadas, diferentes das minhas, que estão limpas e lixadas.

- Desculpa, Lyd! Todo mundo acreditou que eu era você, até fiz a avaliação do Dr. Singh no seu lugar, mas Andy...

- Eu sei - respondo. - Ele sempre sabe. Não é sua culpa, Daisy.

Ela sorri para mim, soltando o ar preso em seus pulmões. Não consigo deixar de ter pena. Daisy é prestativa demais para dizer algo, mas sinto que estar no centro do meu jogo de gato e rato com o Instituto está sacrificando seus nervos.

Garotas de MentirinhaOnde histórias criam vida. Descubra agora