Capítulo 1 (Parte 2)

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Quando o sol finalmente se põe, estou quase irreconhecível fora do meu vestuário habitual. Não fosse a evidente falta de graça, mesmo as minhas irmãs facilmente me confundiriam com Gemma. Durante a tarde, nós observamos os funcionários entrarem e saírem da casa. Já sei onde se localizam as câmeras de segurança e o percurso da maioria dos guardas. Apesar dos protestos de Gemma, é ela quem está se esgueirando pelos arbustos do jardim dos Hope até que eu possa contrabandeá-la através da porta dos fundos.

A mansão de Brian Hope é opulenta e gigantesca, mas não bonita. O objetivo do arquiteto parece ter sido misturar o conservadorismo vitoriano com o exibicionismo do mais deselegante novo rico, e o contraste desagradável é gritante. No saguão de entrada, uma árvore de Natal que chega ao teto encontra-se tão coberta de penduricalhos que quase não se vê o verde das folhas. Nas paredes, as cortinas de brocado bordadas com fios de ouro alternam regularmente com retratos a óleo que tentam parecer antiguidades respeitáveis, mas um olhar mais atento percebe que são todos imagens de um homem loiro e gordo que identifico como sendo o anfitrião. "Pelo menos eu não tenho como me confundir", penso enquanto cruzo os portões.

O segurança brutamontes que recebe meu convite passa um longo tempo alternando o olhar entre o envelope e minha aparência, como se esperando que eu subitamente crie tentáculos. Quando percebe que isso não vai acontecer, risca o nome no convite da lista que tem em mãos e gesticula relutantemente para que eu siga adiante, onde outro segurança revista minha bolsa e passa um detector de metais portátil sobre meu corpo. Eu vim preparada para essa eventualidade; a faca presa à minha coxa é de cerâmica. O excesso de medidas de segurança, porém, é incomum e preocupante.

Entrego meu casaco à guardadora, que espera com as mão estendidas. Dando a volta na árvore, um enorme arco exatamente embaixo do encontro de duas escadarias leva ao salão de baile. Ele é decorado com um lustre de cristal que poderia ter saído diretamente do Titanic e as mesmas horrorosas cortinas. O ambiente ocupa dois andares, sendo circulado por um mezanino. A um canto, uma quarteto de cordas toca com habilidade música clássica que eu conheço mas não sei identificar. Não consigo evitar o pensamento de que eles estão tentando me acalmar enquanto meu barco afunda.

Após uma volta de reconhecimento que não me revela nem os Vargas nem o escritório de Hope, entro discretamente no corredor por onde os garçons estão saindo e que leva à área de serviço. Pego uma taça de champanhe de uma bandeja esquecida a um canto e faço minha melhor expressão confusa. Caso alguém pergunte, posso simplesmente dizer que procurava o banheiro e me perdi. Criados, sabiamente, não costumam questionar convidados, pois sabem que não vale o problema. Felizmente os garçons que cruzam comigo não me reservam mais que um olhar breve.

Um guarda passa apressado por mim e eu começo a segui-lo discretamente. Ele vira o corredor até chegar em uma porta cuja maçaneta possui teclado para senha. Supondo ser onde é feito o controle das câmeras de segurança, eu tento memorizar o que ele digitou, mas é impossível ter certeza àquela distância, e errar pode disparar algum alarme.

Quando o guarda entra na sala, eu desço rapidamente o corredor até passar direto pela porta, encostando-me no lado oposto ao da maçaneta. A espessura das paredes abafa o barulho das vozes lá dentro. Dois minutos depois, o mesmo guarda abre a porta para sair já olhando em direção ao início do corredor, de costas para mim. Antes que a porta bata, eu rapidamente me esgueiro por trás dele e entro sem ser percebida. Sucesso. Uma mulher está sentada em uma cadeira de rodinhas, observando vários monitores na parede.

- Silêncio - digo antes mesmo de ela se virar. Normalmente a obediência exige contato visual, mas sendo uma ordem simples e colocando imposição suficiente na voz, consigo submetê-la à minha vontade.

Garotas de MentirinhaOnde histórias criam vida. Descubra agora