Capítulo 2

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Capítulo 2

"Ontem à noite, quando eu, a rainha, estava radiante
Ontem à noite, quando eu, a rainha dos Céus, estava radiante,
Quando eu estava radiante e dançando
Cantando à chegada da noite...

Ele foi ao meu encontro, ele foi ao meu encontro!
Meu senhor Dumuzi foi ao meu encontro!
Ele pôs sua mão na minha
Ele colocou seu pescoço junto ao meu"

Trecho de "A corte de Inanna e Dumuzi"

Dumuzi viu a Inanna e percebeu de imediato que ela criara as estrelas sob a admoestação de Anu, o deus do céu, seu senhor. Tinha Innana escolhido para si uma forma em de cabelos cor de cobre, e olhos dourados que queimavam como fogo. Dourado era seu vestido, e douradas as arrecadas que brilhavam em seus cabelos e as joias que trazia com ela.

Ela o observou e reconheceu nele aquele a quem ela observara desde o começo de tudo, em seu poder a atravessar os oceanos e a abrir fendas na terra; ela, que sempre estava tão ocupada com o céu, os luzeiros e as obras feitas de fogo.

Desviou dele o olhar e quando ele se sentou para contemplar as estrelas que ela colocava no firmamento, Inanna fez-lhe uma reverência e já ia embora, quando Dumuzi enfim lhe falou.

- Se eu sou incômodo, posso ir a outra parte a fim de não atrapalhar o seu trabalho.

- Não; pois eu é que me retiro com receio de o atrapalhar, ó senhor.

- Pois não se incomoda com minha presença?

- Por que me incomodaria eu?

- Todos se incomodam e falam mal do que faço.

- Até hoje não compreendi a razão disto. Sempre o considerei grande e independente em seu próprio caminho e nunca vi nada de errado nisto.

- Fale baixo; se alguém escutar, pode achar que você está do meu lado e fazendo o que faço. É pro seu bem que assim digo.

- Pois que pensem. Eu de minha parte nada lhes devo.

Dumuzi se surpreendeu com a franqueza dela e olhou em seus olhos dourados. Ela olhou com firmeza para os olhos verdes dele e não fraquejou, o que foi considerado por ele uma virtude. Portanto, ele se sentou ao lado dela e lhe sorriu, coisa que não fazia com frequência.

- Você gosta da escuridão? - perguntou ele.

- Eu gosto. Além de tudo é meu local de trabalho, pois Anu me designou para criar as estrelas e pontilhar o firmamento escuro com elas. Mas quando tudo ainda está completamente negro, sem forma ou cor, apenas Vazio, é aí que me fascina; pois é como se dessa imaterial imensidão se pudesse fazer tudo que quisesse.

- Eu também gosto. Observo a este lugar sempre que posso. Ultimamente tenho vindo aqui com frequência, pois me sinto muito só.

- Você não tem esposa, como os demais?

- Esposa? Então não ficou sabendo da rejeição de Nidaba e Damkina? Desde então, quem vai querer ser minha esposa, se estou tão mal falado?

- Eu ouvi falar. Mas como elas podem rejeitar a alguém que tem tamanha beleza e poder é que eu não entendo.

Dumuzi ouviu aquilo e olhou nos olhos dela outra vez. E mais uma vez Inanna sustentou o olhar para ele.

- Acha que elas não tem o direito de me rejeitar?

- Elas tem. Mas não sei porque o fizeram.

- Eu já lhe disse. A maledicência a meu respeito corre de uma forma rápida e concisa. Todos me repelem por conta disso.

O proscrito e a rainha (REVISADO E REEDITADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora