Primeira Noite

162 13 8
                                    


Não gostava da forma como a madeira estava sempre rangendo, como se a casa sofresse em uma eterna agonia, mas podia se acostumar com isso.

Cidade nova, vida nova. Pensava Lisa enquanto respirava o ar puro que adentrava a janela da sala. Seu rosto brilhava, mas não havia glamour algum nisso, o brilho vinha do suor que lhe descia pelo pescoço. Havia acabado de arrastar sua estante de livros de um lado ao outro do cômodo, por não gostar do lugar anterior, e na verdade também não parecia satisfeita com o lugar atual.

Lisa era crítica em tudo, e reconhecia isso sem dificuldade, mas sua opinião sobre isso ser uma benção ou uma maldição sempre mudava de tempos em tempos. O pedido de demissão do emprego, no jornal mais conhecido da capital em que vivia, era um desses exemplos onde ela não conseguia encontrar um consenso. Mas não queria pensar mais sobre isso, era exatamente por isso que estava ali, para esquecer o chefe babaca que tinha um caso com a secretária do andar abaixo, entre outras pessoas que havia deixado para trás até chegar onde estava.

O alaranjado no céu era um lembrete de que a noite estava próxima. Com aquela visão em mente Lisa fechou a cortina. Depois subiu as escadas enquanto seu corpo clamava por um banho. Havia uma banheira no banheiro do andar de cima, velha e talvez pouco segura, mas ainda assim era melhor do que a ducha, que rangia de forma ainda mais desesperadora do que as tábuas de madeira.

De tão calma que a água estava, Lisa rendeu-se a um cochilo. Acordou somente quando seu rosto se afundou dentro da água, com seu olhos esbugalhados.

Secou-se e caminhou na direção de seu quarto, trajando apenas sua toalha lilás. Pegou o quarto mais próximo do banheiro, por não gostar de andar muito. Não tinha nenhum interesse em conhecer o restante do corredor, já que a casa era bem maior do que o necessário. Isso foi uma das coisas que mais atrasou sua mudança, mas era a única casa que encontrou disponível na cidade que, de tão pequena, quase cabia na palma de sua mão. O preço também estava aceitável, não era um brinde mas também não era como receber uma facada. Então Lisa considerava que podia se adaptar aos pequenos desagrados.

Novamente vestida deixou o quarto, cruzando o corredor que dava na escadaria. Tudo o que queria naquele momento era preparar um misto quente e reler algum de seus livros favoritos. Porém, ao cruzar os primeiros degraus da escada, espremendo os olhos pelo incômodo com o som desagradável que seus pés provocavam na madeira, percebeu que a iluminação do local se tornou mais densa.

Ao abrir os olhos, a lâmpada do corredor havia apagado. Bufou impaciente, já imaginando que teria que trocar as lâmpadas tão cedo, esperava que o antigo dono ao menos tivesse tido a decência de renovar a iluminação. Voltou seus passos para checar no interruptor se a lâmpada de fato havia queimado mas, quando se aproximou, a luz acendeu novamente.

Mal contato. Pensou imaginando que uma casa tão velha com certeza teria problemas com a fiação. Após isso voltou ao seu objetivo inicial, comer um misto quente na cozinha. Entretanto, quando estava novamente no meio dos degraus da escada a luz voltou a apagar. Fazendo com que os olhos de Lisa dessem uma volta completa ao redor do próprio eixo, em total sinal de desaprovação.

Subiu dois degraus e a luz voltou a acender. Como se de repente Lisa fizesse parte de alguma pegadinha sem graça. Mais dois passos para baixo e a luz apagou.

— Que inferno! — rangeu os dentes desistindo e descendo em meio ao breu. Conseguindo enxergar pelo pouco de luz que adentrava pelas janelas.

Chegou enfim até a cozinha, e quando a palma de sua mão se encaixou em meio a porta do armário, ela pode sentir um estranho toque aveludado. Esfregou os dedos uns aos outros e percebeu que era poeira. O armário estava porcamente mal limpo, o que era bastante estranho, já que a jornalista se lembrava claramente de que o móvel foi uma das primeiras coisas que limpou ainda naquela manhã.

Olhou para o teto em busca de alguma resposta, não enxergava brechas por onde tanta poeira pudesse ter vindo. Ao som de um ronco em seu estômago abriu de vez armário, ignorando o fato de que o mesmo estivesse nojento. O que viu em seguida foi motivo de ainda mais confusão em sua cabeça. Seus pães de misto não estavam lá dentro. Ao invés disso, uma quantidade absurda de enlatados que Lisa não lembrava de ter comprado. Ao pegar um deles e perceber que era de sardinha, quase vomitou a janta que ainda nem havia comido. Odiava sardinha desde quando se conhecia por gente, com certeza não havia sido ela quem comprou aquela pilha de porcarias.

— Mas que merda é essa? — pensou alto, fechando a porta do armário e virando seu rosto na direção da sala. Nesse momento, o maior espanto de todos. Uma figura de pé a encarava enquanto segurava firmemente um objeto que se assemelhava a um taco de beisebol. — Quem é vo... — antes que Lisa pudesse terminar sua pergunta viu o vulto do objeto se aproximar de seu rosto.

Depois disso não viu mais nada.

Continua...


A eu do outro ladoOnde histórias criam vida. Descubra agora