Terceira Noite (Parte 1)

116 8 11
                                    

Sentada sobre o sofá enquanto abraçava os joelhos, Lisa olhava fixamente para os degraus da escada. Seu queixo tremia, seus lábios estavam pálidos e uma fina película de lágrimas embaçava sua visão, mas nada daquilo era por sentir frio. O verdadeiro motivo... era o medo.

Não conseguiu pregar os olhos por nenhum instante naquela madrugada, estava apavorada demais para ao menos cogitar essa possibilidade. Nunca sentiu-se tão próxima da morte como naquele momento no corredor. Pensando bem, já não tinha certeza de que aquele fosse mesmo seu corredor. Quem eram aquelas pessoas? O que faziam em sua casa? Por que sempre que subia a escada tudo parecia virar ao avesso? Um milhão de perguntas que não pareceriam fazer sentido nem se fossem respondidas dois milhões de vezes.

Ainda naquela madrugada, pensou em partir. Deixar a casa recém comprada e ir embora para onde quer que fosse. Talvez para a cidade antiga, talvez implorar pelo seu antigo emprego, ou talvez algo mais distante que isso... Algum lugar para o qual ela realmente não imaginou que um dia pensaria em voltar.

Ao passar das horas, contudo, essas ideias foram se dissociando de seus pensamentos. A medida que o medo esfriava, pensava sobre quão injusto era ser expulsa de sua própria casa. Sem falar que, com o espírito de jornalista que ainda tinha quente dentro de si, não se imaginava partindo sem ao menos tentar entender o que estava acontecendo.

Durante todo o dia se chamou de louca pelas ideias que cultivava em sua cabeça. Sabia que a única ideia plausível era arrumar as malas e partir o mais rápido possível, mas é claro que não iria escolher o caminho mais fácil. Se já estava enxergando coisas absurdas e pessoas horripilantes, então talvez devesse mesmo começar a agir como louca.

Revirando algumas caixas no porão, quebrando a jura de que jamais entraria ali que fez a si mesma ao comprar a casa, encontrou algumas latas velhas de tinta que poderiam a ajudar.

Subiu novamente e, na falta de um pincel, enrolou uma blusa castigada pela idade e tocou parte de seu tecido à tinta, marcando um x em vermelho sobre uma das tábuas do chão, logo em frente ao primeiro degrau da escada. Em seguida, subindo até o corredor, marcou novamente um x em vermelho, dessa vez sobre a parede. Agora esperava diante de uma das janelas no andar de baixo.

Enquanto avistava o alaranjado no céu, parecia estranhamente ansiosa pelo anoitecer. Mas na verdade, mais do que ansiedade, estava ali também um sentimento de apreensão. Quando anoitecesse não haveria volta, suas chances de fugir teriam sido menosprezadas, e, sejam lá quem fossem, as pessoas que lhe atormentavam estariam de volta.

Apertando o pingente azulado preso à uma corrente de prata em seu pescoço, vislumbrava os últimos feixes do sol naquele fim de tarde. Diante do silêncio cortante, conseguia ouvir o movimento dos ponteiros em seu relógio, faltava pouco para às sete, e quanto mais próximos da virada de hora os ponteiros chegavam, maior era a força com que Lisa pressionava o pingente.

— Você consegue. — motivou-se, deixando escapar um suspiro que em nada se assemelhava à sensação de alívio que suspiros costumam indicar.

Virou-se na direção da escada, caminhando até a marca de tinta que havia deixado ao chão. Mas não vinha de mãos abanando, trazia consigo uma faca, e jurava para si mesma que não teria medo de usá-la.

Começou a subir os degraus, ignorando o ranger da madeira pela primeira vez, já que coisas maiores preenchiam todo o espaço de sua preocupação. Seus passos eram calmos, revelando um receio daquilo que ainda era desconhecido. E então, ao chegar ao sexto degrau, aquilo acontecia de novo. Fosse lá o que aquilo significasse.

As luzes se apagaram. Os dedos de Lisa deslizaram vagarosamente sobre o cabo da faca. Em sua outra mão trazia seu celular. Ao apontar o objeto com a tela acesa para o chão, iluminando a madeira, buscou ansiosa pelo x em vermelho. Não estava mais lá. Então onde havia ido? Lisa quis saber desnorteada. Ao voltar um de seus passos, o bizarro aconteceu novamente, lá estava o maldito x marcado ao chão, como se nunca tivesse saído dali.

Eu não sei o que você acabou de descobrir, mas algo me diz que essa será a manchete mais surpreendente de todos os tempos. A voz de Lisa ecoou dentro de sua própria cabeça.

Deu novamente um passo adiante e o mesmo se repetiu. Nada de luzes, nada de x. Era real, algo muito fora do comum estava atormentado as noites de Lisa. Dessa vez seus dedos pressionaram a faca com firmeza, enquanto um gole seco em sua garganta misturava determinação e medo. 

Deu mais um passo. Mantendo-se no escuro. Olhou para os lados antes de subir ao corredor, pois sabia que se quisesse voltar para as luzes com vida teria que passar despercebida. Nesse momento um estrondo ensurdecedor. Alguém batia repetidas vezes contra a porta de entrada da casa, e pela força com a qual batia, não parecia querer ser atendido, mas sim levar a porta abaixo e adentrar à força.

O peito de Lisa estufou, ao ponto que seu coração quase saiu do lugar. Depois de um último e mais forte estrondo, avistou a porta ir de encontro ao chão. Seu corpo, antes paralisado, finalmente voltou a agir, correndo eufórico pelo corredor de madeira em meio a um breu total. A partir dali escutava gritos enlouquecedores a todo instante. Não entendia o que diziam nem pelo que clamavam, mas não estava disposta a ficar parada e tentar descobrir.

Entrou no quarto vazio ao fim do corredor. Usando seu corpo como barricada para manter a porta fechada. Fechou seus olhos enquanto respirava de forma desregulada, mas ao abri-los teve que tapar a boca com a própria mão para abafar um grito. Lá estava a figura com um taco de beisebol de pé em frente a janela do quarto.

— O que faz aqui? — a figura perguntou com a voz inconfundível de uma adolescente enraivecida, enquanto se mantinha em posição de ataque — Você é uma deles, não é?!

Lisa acenou negativamente, enquanto seus olhos tremiam em completo descontrole. Um suor frio lhe descia pelas costas, caindo sobre a superfície da porta a qual encobria. Mesmo que não fosse possível enxergar com clareza, os olhos da menor estavam fixados sobre o brilho que a faca prateada nas mãos de Lisa causava.

— Eu não sou... — foi interrompida por um gaguejo — não sou um deles.

A menina em sua frente ainda não parecia convencida, mantendo suas mãos em alerta durante todo o momento, um passo errado de Lisa e aquele taco esmagaria seu crânio. Nesse instante um som agudo percorreu pela casa, fazendo a madeira tremer. A menina avançou sobre Lisa, fazendo a adulta se encolher entre o próprio corpo.  Mas o golpe que esperava sentir contra si acertou apenas a faca em suas mãos, a deixando desarmada. Logo em seguida sentiu seu corpo ser arrancado da porta que tanto queria manter fechada.

— Onde você vai? Não é seguro! — Lisa suplicou, enquanto ao fundo ouvia os gritos que vieram de fora quando a menor abriu a porta. Escutando logo em seguida aquele som agudo que parecia fazer toda a casa balançar.

A menor não lhe deu ouvidos, correndo para o corredor com seu taco empunhado, enquanto a maior se arrependia amargamente de não ter ido embora daquela casa maldita enquanto podia.

Agora Lisa tinha uma escolha difícil em suas mãos: Pegar sua faca e ir atrás da menor em meio ao caos, ou se trancar dentro do quarto escuro e rezar pela própria vida.

Continua...

A eu do outro ladoOnde histórias criam vida. Descubra agora