Terceira Noite (Parte 2)

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A faca empunhada por Lisa já respondia qual havia sido a sua escolha. Por menor que fosse sua coragem e maior que fosse sua incerteza, ver uma garota que aparentava ter menos da metade de sua idade correndo para o perigo sem hesitar em momento algum criava dentro de si uma sensação estranha de que era sua obrigação estar envolvida naquilo.

Saiu em meio ao corredor, guiada pelos gritos indecifráveis que escutava. Ali, avistou uma série de silhuetas que se moviam rápidas pela sala que ligava o final do corredor à varanda. Antes de adentrar o cômodo, viu tudo acender em um clarão, que projetou a sombra de um crânio sendo perfurado sobre a parede. Quase ao mesmo tempo o som agudo que escutava dentro do quarto ecoou pelos quatro cantos da casa novamente. Era o barulho de uma espingarda, mais precisamente o barulho de um disparo.

Lisa parou em meio a porta, avistando um homem em uma briga corpo a corpo com outro logo à sua frente, enquanto um deles segurava a espingarda em suas mãos. Do outro lado da sala estava a garota do taco de beisebol, usando-o para atacar um segundo invasor, enquanto alguns corpos já estavam caídos.

- Lisa, cuidado! - o homem que segurava a espingarda gritou.

Lisa, mesmo que sem entender como de repente o mesmo sabia seu nome, virou-se, dando de cara com uma outra pessoa que estava prestes a lhe atacar pelas costas. Em um ímpeto de desespero, ela só voltou a entender o que estava acontecendo quando procurou pela faca em suas mãos e não a encontrou, vendo-a logo em seguida cravada no peito de alguém que acabava de cair na direção do chão, bem diante de seus olhos abismados.

- Eu não... eu... - gaguejou perplexa enquanto sentia uma mistura de refluxo e pavor revirar seu estômago.

Enquanto Lisa permanecia estática, em completo estado de choque, a garota mais nova era sufocada pelas mãos grossas do invasor contra quem lutava. Mais um disparo foi dado, fazendo Lisa despertar de seu transe e se virar novamente em direção ao caos. O corpo daquele que enforcava a mais nova acabava de cair sem vida. O homem da espingarda havia empurrado o invasor com quem lutava para conseguir salvar a menor. Essa distração, no entanto, foi o necessário para que o invasor que restava conseguisse contra-atacar, empurrando o cano da arma de fogo e fazendo com que a coronha da mesma se chocasse contra a face daquele que a segurava.

Como se perdesse as forças com o impacto o homem deixou que a espingarda escapasse de suas mãos, e logo depois foi a vez de seu corpo desacordado atingir a madeira. Aquele que lhe atacou, selvagem e cruelmente, pisou sobre o seu pescoço tão forte e brutal que a tábua abaixo de seus pés se rachou, mas isso não foi a única coisa que quebrou naquele momento.

A menor, que assistiu aquela sequência devastadora enquanto tentava recuperar seu fôlego, gritou abafada por um choro e pela falta de ar em seus pulmões, correndo voraz contra o invasor, e lhe acertando uma tacada de beisebol tão forte que parte do sangue do mesmo respingou sobre Lisa do outro lado da sala.

- Pai! - a menor voltou a gritar enquanto o corpo do último invasor caía amolecido contra a madeira. Um choro fino começou logo em seguida, abafado pelo peitoral ainda quente do pai, onde a menina afundava seu rosto.

Lisa se aproximou sem reação. O silêncio frio e cruel tornou o choro da pequena ainda mais lamentável. Partindo o coração da mais velha em mais pedaços do que ao menos pudesse contar.

- Eu sinto muito. - com uma voz trêmula Lisa murmurou.

A menor afastou seu rosto do peitoral de seu pai, avistando Lisa de pé logo em suas costas, e voltando a repousar seu rosto sobre seu pai logo em seguida. Somente ali Lisa conseguia enxergar alguns traços do rosto do homem pelo qual a menina chorava, graças a alguns poucos feixes de luz que adentravam pela única janela do cômodo, e ao conseguir identificar aquele rosto, uma de suas mãos imediatamente subiu até sua boca, cobrindo o arreganho chocado da mesma. Não podia estar vendo o que estava, não era possível que aquilo fosse mesmo real. Pensou enquanto uma lágrima rolava da borda de seu olho até pingar fria sobre sua blusa.

A eu do outro ladoOnde histórias criam vida. Descubra agora