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A floricultura era de minha mãe, Sarah Gonzales Baroni – com seu nome devidamente adaptado ao seu novo estado civil – a qual tinha como sócia minha tia, Iolanda Gonzales

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A floricultura era de minha mãe, Sarah Gonzales Baroni – com seu nome devidamente adaptado ao seu novo estado civil – a qual tinha como sócia minha tia, Iolanda Gonzales. Isso já faz muitos anos – uns dezoito, talvez –, e foi por isso que, desde pequena, eu fui criada entre os mais variados tipos de plantas. E não foi surpresa tal fato gerar em mim um amor pela botânica praticamente beirando à devoção.

Estar na floricultura, para mim, surtia efeitos um tanto quanto terapêuticos. Funciona tão bem quanto escrever, na verdade. Devo isso à Sarah e à Iolanda, especialmente. As duas tinham o dom de cuidar das flores e criar arranjos fantásticos como ninguém, por isso a loja ficou tão famosa em nosso bairro paulista, e ainda continua na ativa depois de tantos anos. E se dependesse de mim, iria permanecer aberta por muito mais tempo.

Sem me dar conta de estar perdida em devaneios, senti o som cortante de um trovão chamar-me de volta à consciência. Subitamente, estranhei o fato da loja estar fechada antes do horário comum, mas lembrei-me rapidamente do que eu deveria procurar.

Rapidamente, acendi a luz perto do balcão e achei a carteira de minha tia dentro de uma gaveta. Peguei, então, as chaves da floricultura e fitei pela janela o tempo com ares subitamente apocalípticos. As nuvens negras eram imensas e carregadas, como se estivessem prontas para derramar, com suas águas, um mau presságio.

E o vento uivava, gemia por entre as frestas da vidraça.

O cenário ao todo me deixou inquieta.

— É só uma tempestade — falei comigo mesma, afastando a tensão surreal de minha mente. — Não seja idiota.

Num golpe inesperado, o rugido dos trovões ressoou estrondoso pelas paredes da floricultura. Como esperado, o pânico me tomou por completo.

— Mas que merda!

A porta da entrada começou a abrir e a fechar violentamente, e o som, misturado aos raios luminosos que enraizavam todo o céu escuro, fez meu sangue rufar mais alto dentro do peito. Isso é o que dá ser criativa demais, você sempre pensará que tem algo à espreita, louco para lhe assustar. Ri, nervosa com minha observação ilógica. Afinal, era somente o vento colidindo contra a porta.

Não era?

Não seja idiota, pensei.

Respirei fundo e decidi trancar a porta, para esperar a tempestade passar. E no instante em que enfiei a chave na fechadura, algo lá fora me chamou a atenção. Algo que não fazia sentido algum nas circunstâncias atuais em que o céu se encontrava. Em que meu psicológico patologicamente criativo se encontrava.

Um embrulho – que, garanto, não estava lá quando cheguei – encontrava-se abandonado no chão, perto do capacho a esta altura encharcado de água. E por mais estranho que possa parecer, o papel que envolvia o conteúdo escondido estava seco, sem um pingo de água. Minha primeira reação foi apanhar rapidamente o embrulho do chão e abraçá-lo, para protegê-lo do dilúvio. Depois, fui para fora e olhei para os lados.

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