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Não há muito a falar sobre o que aconteceu em mim, mas é engraçado pensar sobre o quão poderoso pode ser um livro, ainda mais se ele for semelhante àquele de capa avermelhada e for somado à obscuridade da imaginação humana. Destaco que, mesmo soando ilógico, a princípio tal poder de manipulação passou despercebido por minha mente inquieta. Ainda assim, o mistério grená começou a agir em minhas entranhas desde quando fomos apresentados um ao outro.

Mas, você sabe, a loucura, em seu estágio inicial, não se mostra tão poderosa quanto realmente é.

De qualquer forma, totalmente alheia ao porvir, durante a primeira semana após receber a brochura avermelhada, eu me encontrava absorta em minhas teorias sobre quem me dera tal presente. Risquei Eduardo de minha lista mental, e me restara somente uma única opção: Iolanda – já que, como se pode perceber, minha lista de contatos não era lá grande coisa.

Com o livro em mãos, dirigi-me ao caixa da floricultura, onde minha tia organizava o ganho de mais um dia de trabalho enquanto assistia um antigo sitcom dos anos 80. Joguei-o em cima do balcão e sorri, deliciando-me por matar uma charada tão ridícula:

— Foi você — sibilei, vendo-a me encarar desentendida. — Por que tanto mistério?

Ela olhou o livro e passou a fitar-me com o semblante confuso. Eu prossegui:

— Você esqueceu sua carteira aqui, e fechou a floricultura mais cedo para que eu o encontrasse, não foi?

Algo em seu olhar – eu ainda não sabia o quê, exatamente – dizia-me que toda minha teoria conspiratória era extremamente errônea. Ela apanhou o livro e o examinou com atenção, passando os dedos em sua escrita prateada. Abriu-o e leu as duas misteriosas frases iniciais – que, a esta altura, eu sabia de cor – e pude ver seus lábios se contorcerem em um sorriso provocante.

— Não tenho a menor dúvida de que foi Eduardo quem lhe deu isto. Desde quando você disse sobre hoje à noite.

Agitei a cabeça na negativa.

— Não, não foi ele. Eu tenho certeza disso, porque...

Suas mãos pousaram, delicadas, em minhas bochechas, a fim de levantar meu olhar para os dela e, assim, calar minha imensa confusão de ideias. Seus gestos, às vezes tão maternais, sempre me deixaram sem palavras.

— Agora, a única coisa com que você deveria se preocupar é como vai se encontrar com ele. Ou você vai com esse avental todo sujo de terra?

Abaixei o olhar, pensativa, e pude ver meus argumentos contra Iolanda desvanecerem-se inexoravelmente, ao mesmo tempo em que contemplava um estranho receio de sair com Eduardo fulminando-me, sem sentido algum.

Iolanda voltou a atenção à televisão e eu a acompanhei. Na cena, um rapaz loiro e atraente galanteava uma das mocinhas da trama com uma trivialidade quase corriqueira. Os cabelos engomados e as roupas asseadas lhe davam um ar antiquado, mas a mocinha não parecia se importar. Como, de fato, eu deveria estar fazendo – ao invés de deixar a porcaria de um livro mofado consumir-me as ideias.

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