03.

102 29 46
                                    

Sentada em minha escrivaninha, eu observava as inúmeras montanhas de papel tomá-la praticamente por completo

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Sentada em minha escrivaninha, eu observava as inúmeras montanhas de papel tomá-la praticamente por completo. Os livros empilhados formavam imitações baratas de arranha-céus, e no entorno deles havia montes e mais montes de diários antigos e folhas rabiscadas, todos abarrotados de palavras loucas para contar uma história. E as fotos – inúmeras delas – coloriam, com sorrisos e memórias, aquela bagunça colossal. A minha bagunça colossal.

Sem sombra de dúvida, se eu não amasse tanto a floricultura, eu seria escritora. Mas, no momento, eu dedicava todas as minhas histórias à escrivaninha, que as amparava como ninguém um dia fizera.

No entanto, o encanto de meus papéis não conseguiu acabar com as lembranças daquela noite chuvosa. De sobressalto, levantei-me para pegar a bolsa que abrigava o estranho livro grená e voltei rapidamente à cadeira, sentindo o contorno retangular da peça pesar sobre meus dedos.

Tirei-o com delicadeza, junto aos restos mortais do embrulho pardo, ambos agora misturados aos meus queridos retalhos de papel. E então minha mente inquieta começou a funcionar.

Quem me enviou este livro?, pensei, absorta nos papéis à minha frente.

Um tanto distraídos, meus dedos amassavam com delicadeza a bolsa que eu supunha encontrar-se vazia. Mas algo ainda estava lá. E surpresa por eu ter esquecido, retirei o pequeno estojo com um sorriso nos lábios. Os brilhantes da caneta de Eduardo cintilavam elegantemente sob a fraca luz de meu abajur, recordando-me de uma das minhas fotografias favoritas.

Peguei meu diário do terceiro ano do colégio e folheei-o até a página em que ela se encontrava guardada. Um Eduardo de dezoito anos mirava, com um ódio forjado, uma pilha de livros perto de seu corpo. As sobrancelhas negras e grossas emolduravam seus olhos cor de avelã, cheios de repúdio; entretanto, quem os visse, certamente não cairia em sua atuação barata – a boca fina contorcida por um riso insistente denunciaria tudo.

De súbito, veio-me à mente a imagem do Eduardo quatro anos mais velho, de social, maduro e instigante. Algo incomum, dentro de mim, me inquietou: aquela ligação estranha; o incomum encontro com ele, no nosso reduto colegial; os olhares e elogios dúbios.

Eu ainda contemplava seu retrato quando finalmente associei os fatos. Era lógico, quem me presenteara com aquele estranho livro só poderia ser ele! Quem mais teria tempo de colocar um embrulho em frente à minha floricultura, senão Eduardo?

Agilmente, digitei o número de seu celular, imaginando com uma pitada de raiva o quanto ele se deliciou com meus pensamentos desesperados sobre aquele presente tão misterioso. Ele sabia, melhor do que ninguém, como minha imaginação era fácil de se atiçar.

— Cristina?

— Você é um palhaço!

— Eu? — Ele parecia não entender.

Contei-lhe sobre o ocorrido, e ele estranhamente ouviu com atenção.

— Eu adoraria ter essa ideia genial antes, mas não fui eu. Acredite.

SCRIPTAOnde histórias criam vida. Descubra agora