Prólogo

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É difícil definir o início e o fim de algo. Na minha concepção, nossa vida é repleta de inícios e fins. Estamos constantemente nos submetendo a certos pontos finais, recomeços e todo esse papo de superação ou "nova vida". Como o fim do terrível e duradouro ensino médio, depois de toda a tortura psicológica que foi forçado a passar e todo o papo de que "tem que se esforçar pra ser alguém na vida", estamos tratando sobre o fim do sofrimento ou início do mesmo?

O último (e talvez o mais doloroso e traumatizante) fim na qual me lembro de que tive que superar foi o que chamo de "incidente familiar". A noite em que eu vi os corpos dos meus pais queimarem junto com toda a mobília, os gritos de desespero da minha mãe e todas as ordens do meu pai para que eu permanecesse escondido. A noite em que vi todos os porta-retratos explodirem em uma mistura de vidro e madeira levando consigo todos os momentos presentes nas fotografias, a noite em que vi as chamas carregarem cada centímetro daquilo que costumava chamar de lar, a noite em que sobrevivi ao inferno. O fim que antecede a minha chegada no Castellan House, a minha humilde masmorra, o ponta pé inicial para o começo de todos os meus piores pesadelos.

Me permito relembrar disso enquanto estou prestes a fugir da maior quantidade de guardas que ousei desfiar até hoje. Penso e repenso várias vezes antes de decidir pôr um fim em toda essa parte da minha vida ou iniciar um novo capítulo dela e a única coisa que me separa disso é uma cerca "elétrica" meramente colocada com o intuito de amedrontar os pacientes para que eles não fujam (mas na realidade a cerca nunca está realmente ligada) de uma clínica psiquiátrica perto do abandono total em um lugarzinho que ninguém sabe ao certo aonde se encontra.

À algum tempo atrás eu provavelmente evitaria essa situação, essa sensação de vida, essa estranha carga de adrenalina que não estou acostumado a sentir, mas tudo muda quando suas atitudes são voltadas para a sua sobrevivência, seu instinto lhe controla na maior parte do tempo e logo nada do que você está acostumado importa, sua zona de conforto já não existe e o único apoio que se tem é de um ex viciado em heroína, uma garota estranha com mais de dez passagens pela polícia local, um par de tênis já nas ultimas, um pé de cabra e a mais pura e genuína sorte (espero que ela esteja comigo).

O mais esquisito é que nenhum de nós escolhemos nada disso, não escolhemos estar nesse lugar e muito menos nessa situação e é essa a forma que o destino (ou seja lá a divindade que você acredita) encontra de lhe fazer escolher entre outro fim e outro início. Mesmo depois de tantos finais que você já se deparou, depois de tantos inícios que você teve que escolher o destino sempre lhe joga em mais uma situação em que você deve decidir entre pular a cerca elétrica ou permanecer exatamente onde você está.

Os passos se intensificam e os gritos de comando já começam a vir de todas as direções, já não havia mais tempo, eu precisava decidir. O sol escaldante e o calor excessivo daquela tarde não ajudavam em nada em relação a minha capacidade de pensar com clareza, minha visão se tornava turva e a dores de cabeça pareciam está levemente piores desde que saímos da escuridão daquela sala abandonada.

— Anda, não temos o dia inteiro.—Tom gritava.— Eles estão logo atrás de nós e tenho certeza que aquilo não impedirá eles de nos alcançarem.— Ele aponta a mão duramente ferida em direção ao pedaço de madeira que usamos para trancar a porta pela qual escapamos até o campo.

— Não vou deixar que esse seu devaneio idiota estrague a porra do plano, Jackson.—Ashley explode ao mesmo tempo em que os guardas invadem o local. Tudo em seguida pareceu acontecer em câmera lenta e ao mesmo tempo rápido demais.

— Chega garotos, vocês não precisam fugir, não precisam de nada disso, é tudo um enorme mal entendido. A-aquilo que vocês viram, ou acha que viram, não era real, bem, não completamente.— A voz do Sr. Clay invade minha cabeça como uma bala. As imagens começam a surgir outra vez. O barulho inconfundível do disparar de uma arma, o sangue de Clary espalhado no chão da sala, toda a fumaça negra encobrindo o local como o extenso véu da morte. As vozes no corredor falando todos os nomes daquele lista, indicando que eu seria o próximo. Fico imóvel.

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