🌃f o u r

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Ainda que passássemos pela mesma situação pela perspectiva da Srta. Kim e do Sr. Lee, não saberíamos dizer qual estava mais confuso.
   Srta. Kim não conseguia parar de tremer enquanto tentava decidir. Um turbilhão de motivos para ir e para não ir fazia ela pensar se deveria ou não aceitar o casaco em seus ombros e a carona.
   Colocou a mão, ainda suja de sangue, no bolso e sentiu o canivete vermelho. Sabia como matar. Não que se orgulhasse disso, mas quando Sr. Yang percebeu que precisaria comprar sutiãs para ela, enxergou a necessidade de saber onde bater. Ou talvez um pouco mais que isso.
   Sr. Lee também o colocou a mão no bolso e procurou o furo. Ali, no forro de sua calça, carregava muito discretamente duas partes de uma pistola de calibre nove. Não se lembrava de quando aprendeu a atirar, afinal a vida de Sr. Lee desde a morte de seu pai se tornou um emaranhado de momentos confusos e borrados.
Ele abriu a porta do Corolla 92 para a menina enquanto pensava nos milhares de motivos para não fazer isso. Mas ainda que tudo acabasse dando completamente errado, o que Sr. Lee poderia perder na pior das hipóteses além da vida? Quem iria sentir sua falta?
   E o que Sra. Kim perderia na pior das hipóteses também?
   Srta. Kim e Sr. Lee não tinham nada em comum, exceto que não tinham o que perder.
   E foi isso que fez Sr. Lee abrir a porta, assim como foi isso que fez Srta. Kim entrar.
~~~
   Os momentos que se seguiram foram de um silêncio insuportável, onde Sr. Lee dirigia completamente sem rumo e onde Srta. Kim observava a lua.
   Srta. Kim começou a esfregar as mãos tentando tirar o vermelho do sangue que começava a feder.
   Quando Sr. Lee percebeu o que ela fazia, indicou com a cabeça o porta luvas. Kim tentou abrir, mas não conseguia.
  Sr. Lee forçou a trava, mas o porta luvas não abriu e quando Kim tentou ajudá-lo suas mãos roçaram um pouco. No começo do ombro, ela sentiu um comichão e tirou a mão muito rapidamente.
   - Merda- Sr. Lee sussurrou quando viu que o porta luvas parecia ter quebrado após um estralo alto.
E então Kim percebeu que até então nenhum dos dois havia falado nada.
Ela encarou o homem e ele a encarou.
Sra. Kim segurou o riso e Sr. Lee tentou, mas falhou e explodiu em risadas.
Quando foi a última vez que Kim ouviu uma risada sincera mesmo?
Não podendo segurar, Kim também riu e por alguns minutos, esqueceram completamente das situações infelizes que os levaram até ali.
- Você... tem um nome?- perguntou Sr. Lee olhando para ela quando já tinham parado de rir.
- Não acha uma pergunta um tanto quanto idiota?- respondeu Kim e arqueou uma das sobrancelhas.
- Sem dúvidas. Podemos corrigir a frase trocando por "como você se chama?"- Disse e diminuiu a velocidade do carro.
- Kim Hyunah...- respondeu e hesitou em seguida, pensando se realmente deveria ter dito- Mais informações só em troca das suas!
- Me chamo Lee Hoetaek. 26 anos e três passagens na polícia. Preso uma vez e condenado duas.- Falou com total naturalidade, como se tivesse decorado aquilo de tanto repetir.
  - 19 anos, um homícidio simples, um furto e dois roubos. Nunca rastreada.- Hyuna tentou ao máximo parecer tão natural quanto Hoetaek, mas não sabia se tinha conseguido.
   - Exceto por uma falha ao ser pego roubando um par de brincos da Tiffany, nunca rastreado também.- e então processou o resto da frase- Espera! Você disse 19 anos?
   Hyuna confirmou balançando a cabeça.
   E então ficaram em silêncio novamente.
˜˜˜
   Quando Stupid Cupid de Connie Francis começou a tocar, cantaram juntos.  A voz de Srta. Kim, apesar de aguda, fazia uma boa harmonia com a de Sr. Lee e eu sei disso pois os ouvi cantar centenas de vezes no karaokê do bar.
   E naquele momento, enquanto se divertia com o homem ao seu lado, percebeu que mais cedo ou mais tarde, um deles ia se prejudicar. Todo tipo de sentimento envolvido em todo tipo de situação, terminava em uma situação pior ainda. E consequentemente: em um sentimento pior ainda.
E se tinha alguém que sabia disso, essa pessoa era Hoetaek.
~~~
- Já sei.- disse Sr. Lee pegando o pacote de amendoim que acharam no porta luvas depois que conseguiram abrir.
- Diga- Srta. Kim pegou o pacote de volta e virou na boca.
- Mas antes preciso saber se você tem pra onde ir- Sr. Lee pegou alguns amendoins do pacote.
Srta. Kim colocou os últimos amendoins na boca. Negou com a cabeça baixa.
- Saiba que isso não é algo que ofereço para qualquer pessoa que conheci há uma hora. Mas eu te convido a ir comigo para algum lugar, que nós não sabemos ainda qual é.- Disse e pegou o saquinho, se frustrou com o pacote vazio, abriu a janela e jogou fora.
- Ei! Você jogou isso na estrada, por atitudes como essa o planeta está tão poluído.- Srta. Kim disse aborrecida.
- Você já matou alguém e se importa com o lixo jogado na estrada?
- Claro! Plantas e animais são dignas da minha pena. Humanos não!
- Tudo isso pra fazer minha consciência pesada porque joguei um pacote de amendoins na estrada?
- O lixo vai destruir o mundo um dia.
- Não acho que eu seja capaz de algo tão grande!
E riram.
- Mas eu aceito ir com você para algum lugar que nós não conhecemos, ainda- E Srta. Kim sabia que daquela maneira, a amizade deles iniciaria.
- Então nós vamos voltar para Seoul.
- E o que vamos fazer em Seoul?
- "Se quiser ter uma verdadeira amizade, beba com seu amigo". Conselhos que recebi do meu já falecido avô. Vamos para o bar que fui mais cedo, de frente para um praça. O atendimento é péssimo mas eu realmente gostei do lugar.
~~~
Naquela noite, quando cheguei ao bar, todas as mesas estavam ocupadas. Pedi uma cadeira sobrando na mesa onde estavam dois jovens e eles disseram que eu poderia sentar ali.
Os dois estavam bêbados há algum tempo e eu tinha todos os motivos do mundo para não me sentar ali, mas então a mulher começou a balbuciar uma história sobre como eles haviam terminado naquele bar.
A história era tão interessante que não resisti. Escrevi todas as frases desconexas que disseram e mais tarde organizei-as em casa.
A história de uma homicida possivelmente psicopata e de um ladrão possivelmente cleptomaníaco. Mas que tipo de história poderia surgir disso?

psycho; triple-hOnde histórias criam vida. Descubra agora