Não fazia muito que eu havia saído de um relacionamento duradouro. Foi um namoro de quase três anos, onde muito pude aprender e evoluir como pessoa.
Nessa época, iniciavam os dias congelantes de chuvas alternadas com muita serração, típicos do nosso maravilhoso inverno gaúcho. Estava com ingresso comprado para o show de John Mayer, que aconteceria dali a três meses (guarde essa informação, pois ela será de grande valia).
Pouco tempo antes, havia me mudado para uma cidade pequena em função do trabalho, onde eu não possuía muitas amizades, fazendo com que meus finais de semana fossem pouco movimentados sob o ponto de vista social. Quando digo "pouco movimentados", estou sendo bem generoso comigo mesmo.
Nos primeiros meses, me deslocava frequentemente a Porto Alegre, a três horas dali, onde se encontravam minha família e meus amigos mais próximos. Porém, nesse momento, a gasolina havia batido a incrível marca de 4 reais por litro. Para dar um pouco mais de tranquilidade ao meu bolso, resolvi ficar mais pelo interior.
Antes de mais nada, é preciso dizer que sempre tive uma certa dificuldade para curtir a minha própria companhia. Nesse sentido, admiro, especificamente, uma grande amiga chamada Noele.
Noele vai ao cinema, sai para jantar e viaja sempre que há tempo disponível. Se houver companhia, melhor. Se não, sem problemas. Ela é tão autossuficiente que foi passar um final de semana em Gramado, sozinha, em pleno dia dos namorados. Se você conhece essa charmosa cidade da serra gaúcha, vai entender o porquê de eu considerar essa atitude tão arrojada.
Gosto de sair para tomar café, tirar fotos, conhecer lugares novos, ir em shows e ao cinema. Entretanto, diferentemente de Noele, não vejo muita graça em fazer essas coisas sozinho. Pior ainda: quando estou solteiro, tendo a categorizar os programas de acordo com o tipo de companhia. Complexo? Calma aí que você já vai entender.
Quando penso em sair para correr no parque, geralmente convido os meus dois melhores amigos. Quando estou afim de ir ao cinema, lembro imediatamente do crush que estou saindo naquele determinado momento. Pizzaria? Família. Match no Tinder, primeiro date? Açaí ou café.
Aliás, para tudo que isso é importante! Cara, se tem uma coisa que eu aprendi ao longo dessa jornada, é que primeiros encontros devem ser em locais neutros. Precisamos lembrar que, por mais que possamos ter uma boa base com as fotos disponíveis e nas conversas preliminares, nunca sabemos o que iremos encontrar pela frente com cem por cento de precisão. Convidar o crush para tomar um café, açaí, ou similar, implica em um programa de pequena duração, facilitando a fuga em caso de não atendimento às expectativas criadas. Sair para jantar, ou ir ao cinema logo de cara, podem tornar as coisas muito mais complicadas nesse caso.
Mas voltando ao que interessa. Diante da minha situação na ocasião, estava sentindo um vazio na minha vida, principalmente nos tempos livres. Meus melhores amigos estavam "engatados". Minha amiga Noele estava viajando para algum lugar do mundo que eu não lembro exatamente qual.
Foi então que, por ocasião do destino, ou por vontade do Sr. Mark Zuckerberg, vi algo interessante no Facebook. Nas sugestões de amizades, pela terceira ou quarta vez, aparecia a mesma menina. Seu nome era Giovana. Ela tinha cabelos loiros e ondulados penteados para o lado, com olhos alongados que me atraíam. Na foto do perfil, estava sorridente, com um fundo verde desfocado e o seu rosto parcialmente iluminado pelo sol, criando um efeito de luz e sombra bastante interessante. Sua cidade ficava a pouco mais de trinta minutos da minha, algo que poderia vir a ser extremamente positivo, quem sabe.
Vi que tínhamos alguns amigos em comum, então decidi adicioná-la na maior cara dura, mesmo sem nunca ter a visto na vida. No dia seguinte, ela me aceitou. Dei um "oi" discreto pelo Messenger. Entretanto, pelos próximos 5 dias eu não veria nem a cor da resposta. Resolvi verificar se ela havia visualizado a mensagem, mas nem isso até então.
Mais dez dias se passaram, até que finalmente recebi o ar da graça. Uma mensagem bem-humorada, mas sem pedir desculpas pela demora na resposta. Isso me fez perceber que a comunicação seria espaçada, com horas (em alguns casos, dias) de intervalo entre as mensagens de um e outro. Entrei no jogo, pois o papo era legal, sempre com muitas linhas e risadas em caixa alta. Fui descobrir que ela fazia o mesmo curso que eu, que gostava de cinema e fotografia, que também tinha terminado um relacionamento não fazia muito. Eram muitas coincidências se desenhando, uma atrás da outra...
Apesar de perceber que a expectativa aumentava a cada conversa, ainda estava tranquilo comigo mesmo. Isso porque não havia percebido sinais muito claros de interesse, da parte dela, em algo que ultrapassasse a amizade até então. Ainda assim, tinha pensado em chamá-la para sair algumas vezes, porém frequentemente ela se queixava do excesso de trabalhos de final de semestre. Tal situação fez com eu que segurasse esse convite para uma melhor oportunidade, obedecendo fielmente à regra número 3 de nossa Cartilha.
Até que, passadas algumas semanas, dois fatos importantes se fizeram decisivos no rumo da situação.
O primeiro foi que ela havia entrado em férias da faculdade. Isso fez com que, finalmente, tivéssemos a nossa primeira conversa instantânea, já no WhatsApp. Iniciamos o papo às 22h e fomos até às 4h da madrugada, abordando os mais diversos assuntos da vida, desde os benefícios do veganismo até experiências de relacionamentos anteriores. A essa altura do campeonato, falávamos por áudios, o que, na minha opinião, é uma ferramenta que cria uma maior aproximação entre as partes. Isso era uma quinta-feira e o final de semana estava logo ali.
Será que finalmente tinha chegado hora de tentar um movimento mais arrojado?
Perguntei quais eram os planos para o final de semana. Ela me respondeu que, na sexta-feira tinha uma janta com as amigas, no sábado iria ao aniversário de casamento dos avós paternos durante o dia, e, à noite, compareceria a uma despedida do melhor amigo. No domingo, ela iria almoçar na casa da avó materna, como de costume, e não sabia que horas iria se liberar.
Se alguém tivesse filmado a minha expressão no momento, seria tipo a do cachorrinho fofo no meme: "Véi na boa, acabou a comida? " (Joga aí no Google que você vai ver).
Mas tudo bem. Nesse momento eu já havia feito alguns amigos na cidade. Tínhamos combinado de fazer uma trilha pela cascata, o que amenizou um pouco a minha desilusão sobre a expectativa criada para aquele final de semana. Contei para ela dos meus planos e me despedi, pois estava indo almoçar, seguindo rigorosamente a regra número 5. Deixei o celular carregando em casa, sem maiores pretensões. Quando volto do restaurante, me deparo com a mensagem que mudaria a minha vida nos próximos dias:
— Está afim de ver o pôr do sol no domingo? A esse horário, certamente já estarei livre.
Cara. Parecia o gol do meu time numa final de campeonato. Minha vontade no momento era ter dito que sim, sim e sim! Que, inclusive, já podíamos deixar tudo minuciosamente combinado, com emojis de macaquinhos envergonhados e carinhas felizes na sequência. Mas obedecendo fielmente a regra número 7, respondi:
— Claro, podemos combinar. Só tenho que ver se estarei livre, mas te aviso.
3. Procurarás de forma sábia.
5. Não convidarás sem a devida contrapartida.
7. Não se entregarás de forma equivocada e irracional.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Cartilha Pós Match - Os 10 Mandamentos
Short StoryQuem nunca vivenciou maus perrengues em seus relacionamentos? Ou passou a noite em claro esperando aquela mensagem que não veio? Longe de ser um livro de auto ajuda, a "Cartilha Pós Match" trata o tema de uma forma contemporânea, leve e com alta dos...