01| When the party's over

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Eu estava saindo de mais uma igreja, não pude conseguir nada que fosse útil para recordar além do terrível cheiro pútrido no altar em que eu li um salmo no livro sagrado. Era como se alguém tivesse escondido um corpo ali e, só eu podia sentir o cheiro de podridão. A rua estava escura, por mais que as luzes dos postes estivessem acesas e, não havia ninguém por perto mesmo com o mar de pessoas conversando e rindo ao redor. Tudo possuía uma tonalidade e um som, tudo menos eu que era cinza, que era vazia, que era fria. Cada vez que alguém passava por mim e me cumprimentava, eu sorria e tentava ser gentil. Os ventos que passavam por meus cabelos faziam com que suas ondas ficassem sobre meu rosto fino, eram brisas mornas e ocas.  Podia fechar meus olhos e sentir a dor, morte e desespero em tudo mas, apenas eu podia ver essas coisas.

Apenas eu havia morrido.

Parei diante do portão de casa, apesar de reformado e pintado eu via a madeira podre com larvas o infestando. Como um cadáver. Entrei em casa e, eu pude sentir o cheiro de mofo invadindo meus pulmões, me deixando sem ar e um pouco tonta. Isso era o efeito que a falta de esperanças me causava: me fazia morrer. Entrei em meu quarto e senti o seu cheiro, Arthur e, ele era a única coisa viva ao meu redor e a única que possuía cor. Segurei a sua camisa, abracei com força e me permiti chorar por longos períodos de angústia.

Era terrível.

Dobrei a camisa e coloquei no fundo do roupeiro, segui para o pequeno banheiro de casa e, apenas me concentrei no que deveria importar. Me despi e tomei um banho frio, escovei os dentes e me deitei em minha cama esperando que a dor me deixasse em paz em algum momento. Rezando para que quando eu abrisse meus olhos na manhã seguinte nunca tivesse existido você e, que eu estivesse apenas delirando em febre alta pois isso era melhor que admitir que eu não tinha mais a quem amar.

Haviam se passado dias, eu estava saindo de um terreiro após uma sessão. Conversei com espíritos e não ouvi o que era necessário para que pudesse seguir com a minha vida. Apenas escutei que não era possível me dizer algo que fosse alterar minha vida com meio nas palavras de terceiros, que no final de contas quem deveria tomar o controle de tudo era apenas eu.

E eu não me sentia pronta.

Segui para casa naquela noite de terça com meus pés doendo dentro do meus tênis brancos enquanto eu pedalava a minha bicicleta vermelha e chorava. Sentia cada pequeno pedaço do meu corpo morrer, sentia que talvez eu fosse apenas um quebra cabeças incompleto e, que ninguém nunca fosse colocar a última peça necessário para formar todas as respostas. Os ventos faziam meus cabelos colarem em meus olhos em um misto de lágrimas, cremes de pentear, suor e angústia. Eu era um emaranhado de medo, ossos, inseguranças e desamor. Isso me tornava uma fraca, Nellie a perdedora.

Assim que meus pés tocaram o frio piso de madeira na minha casa, senti um alívio me invadir por ter tirado os meus sapatos e, um peso de ter ganhado vinte anos a mais na minha carga de vida. Precisava encontrar soluções para o que eu estava vivendo, eu necessitava de algo que pudesse me explicar como agir em relação a você, Arthur e todas as outras coisas que estavam dando errado mas, eu não tinha noção de como fazer isso se todos os males eram infinitos perto de minha humanidade falha.

E eu me sentia mal por isso.

Me escondi no vazio do meu quarto, o mesmo que eu me trancava usando fones de ouvidos no volume máximo para não precisar ouvir as brigas incessantes dos meus vizinhos ou as constantes reclamações do meu irmão mais velho. Ele sempre dizia que já havia feito dezoito e que era meu dever ter um emprego para ajudar nas despesas e, meus vizinhos viviam gritando algo sobre traição. Eu não saberia como sobreviver a tudo isso sem a ajuda de alguém, não alguém que fosse despir meu corpo e sim alguém que fosse me ouvir sem me condenar por isso. Precisava de amigos. O silêncio ao redor me parecia sinistro de mais para suportar, imaginei que iria sair algum monstro do meu armário e, não foi o que ocorreu. Meu celular simplesmente vibrou no bolso traseiro do meu short de estampa tropical, o peguei sem me importar e notei que eram diversas mensagens de grupos mas, eu não estava com cabeça para isso. Removi todos os chats de conversa em grupo nos quais eu era participante, alguns membros foram gentis comigo ao desejarem que ficasse tudo bem e eu parei para pensar que, no fundo, eu também queria acreditar nisso.

Não, eu não acreditava.

Em meu âmago, as crenças já haviam perecido feito o corpo que se deteriora após a morte do indivíduo, já havia se desfeito como os castelos de areia quando a onda os retorna a simplesmente areia espalhada pela praia. Eu lia artigos esotéricos em tom de desdém, apenas por eles aparecerem em meu celular e não por realmente acreditar que tudo aquilo fosse real, sem ter a mínima condição de ter fé no que eu lia e em todos os livros que tinham no meu estoque pessoal. Não havia nada para mim em religião, não existia Deus abençoando e desejando as coisas que me diziam na igreja e nem Oxalá me dando seu axé nos terreiros.

Era apenas eu.

Um caos produzido pela mente insana de uma jovem solitária que havia perdido as forças, era apenas e unicamente uma perdedora, uma criatura cansada que não sabia mais lutar e buscar seus objetivos. Eu era um emaranhado de medo e falta de esperanças, Arthur. Eu era a desolação.

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