Vermelhidão

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Arrumo a fatia de pão com um queijo macio , cuidadosamente coloco folhas de manjericão por cima enquanto eu me ponho em pé .

    Meus passos são lentos e vão em direção ao telefone . Tento procurar o número da senhora Danai que está entre as papeladas do trabalho .

     Danai ou mãe é como chamo ela , não a vejo a muito tempo , deve estar na casa dos cinquenta mas aparenta ter menos de quarenta anos .Não falo com ela e nem a vejo a muito tempo, necessariamente quando a deixei sozinha em  casa e fui tentar a sorte em Coritiba.

      Como filha única  sempre fui mimada pela minha mãe ,ela sempre me defendeu dos meus parentes , que me culpavam pela morte de meu pai . Gale sempre foi um pai ausente , deixava minha mãe em casa , para ficar em suas noites de porres e bebedeiras , batia em minha mãe quando chegava no calor da madrugada .

      Ele morreu de coma alcoólico , me deixando sozinha. Minha mãe  virou pai e mãe obrigatoriamente depois de sua morte.

     Tento lembrar disso enquanto tudo o que eu posso ver é uma mulher que se sente , vazia e inatingível , enquanto deixa sua filha sozinha . Eu tento perdoa-lá por isso . Mas para ser honesta não sou do tipo que perdoa .

      Porém , me sinto obrigada a dizer a ela que estou grávida , já que sempre desejou ser avó , apesar de tudo, a vontade dela de me casar não passou mas do que um sonho .

    O dia é glorioso , com um céu azul e brisa suave . O café da manhã está uma maravilha , com o queijo gotejando dentro do pão quente. Tudo seria perfeito se não fosse o telefonema , que sou  obrigada a fazer .

      - Alô ? - pego o telefone ,na esperança de ser minha mãe .

   - Alô, quem é ? - A voz da senhorita Danai ressoa do outro lado ds linha .

    - Sua filha .

     - Lily , sua voz está quase irreconhecível - diz quietamente .

    - Tenho uma surpresa para você , quer saber ? - Pergunto .

      A resposta é positiva e rapidamente respondo :

   - Você vai ser avó .

    - O que ? - sua voz é de indignação - parabéns querida , eu também tenho uma surpresa .

   - Fala - estou inquieta e ansiosa .

     - Vou passar uns dias aí com você - Diz ela .

     Eu não sei como responder . A ideia é tão ridícula .

     - Passar um tempo juntas - ela acrescenta .

        Depois de tanto tempo me deixando sozinha , ela vem me ver, dar uma de mãe coruja, isso realmente não está certo , inacreditável .

     - Claro pode vir , já sabe o meu endereço - respondo irritada .

    - Irei mês que vem , sei seu endereço tomara que me receba bem - ela rebate de volta .

    Me despeço , antes de ficar completamente irritada . Tento esquecer o que aconteceu agora .

     Meu pijama foi substituído por um caro vestido branco , que ganhei de um amigo e meus cabelos estão presos em uma fita rosa . Me observo pelo espelho , pareço uma menina de nove anos , as maçãs do meu rosto estão bastantes rosadas e os cilhos estão enormes .Eu pressiono meus lábios juntos e então sorrio .

  
      Lanço um olhar a mim mesma, tentando ver se sou um elogio genuíno ou se estou apenas tentando ser irônica .

    O dia hoje aparenta ser cada vez mais monótono .

       Fito o meu rosto , ainda ardendo sob minha expressão pétrea . Tento procurar algo para comer já que o pão não saciou meu estômago .

    
      Um banho de água quente me espera . Eu esfrego as sujeiras invisíveis e lavo meu longo cabelo , o que demora menos de trinta minutos .Seco meu cabelo e faço uma trança na minha cabeça.Dificilmente posso me reconhecer no espelho rachado apoiado na parede do banheiro.

      Sinto uma leve fisgada em minha barriga , tento amenizar a dor apoiando minha mão sob ela.

       Me dirijo para fora do espelho , quando sinto alguma coisa escorrer por entre as pernas , algo líquido e viscoso que escorre rapidamente .

   Olho para baixo , o azulejo está manchado de sangue , minhas pernas ficam bambas e a dor é intensa . O sangue é escuro e viscoso , como um vômito .

      Tento correr , mas a dor é intensa . Pego o telefone e ligo para Jonas .

  - Jonas por favor , estou sangrando muito me ajuda .

      Ele tenta não falar muito enquanto ele corre com seu carro para minha casa .

      O lindo vestido branco , agora está manchado de sangue , como se fosse um filme de terror .

    Demora menos de vinte minutos para Jonas me buscar , não consigo me mover pela dor que estou sentindo , ele me pega em seu colo e me coloca no carro .

     De qualquer forma , concordo que se temos que escolher entre ter dores que eu to tendo agora e tirar um braço , o braço seria muito mais rápido .

    O espaço fica mais apertado ,mais claustrofóbico enquanto Jonas me leva ao hospital . Ele tenta me acalmar enquanto põe a mão sob a minha .

      Quando finalmente chego ,sou colocada em uma maca rapidamente.

      Sinto uma pontada no braço , dolorosa , e vou ficando cada vez mais sonolenta até que pego em um sono profundo .

………....………………………………………………

       Meus olhos ficam entreabertos , olho em volta da sala claustrofóbica que estou . Eu não posso impedir a vermelhidão que inunda minha maca , tento levantar , mas a dor é forte .Olho em volta da sala a fim de procurar Jonas .

     - O que aconteceu comigo - pergunto a um médico que estava ao meu lado , limpando o que parecia ser uma tesoura específica pra médico .

    - Bem .... lily você perdeu seu bebê .

    - O que ? .

    Um som me escapa , a mesma combinação de suspiro e gemido que vem de ser submerso em água privado de oxigênio até o ponto da dor . Meus olhos ficam em chamas e meu coração apeta cada vez mais. Soluço sem parar, abafando o som contra minhas mãos . Minha pulsação fica rápida e minha vista escura . Tento falar algo mais não consigo , só fecho os olhos e desmaio novamente.

      

Lembranças do passadoOnde histórias criam vida. Descubra agora