O resto desta história, minha prima, a senhora conhece, com exceção de algumasparticularidades.
Vivi um mês, contando os dias, as horas e os minutos; o tempo corria vagarosamente paramim, que desejava poder devorá-lo.
Quando tinha durante uma manhã inteira olhado o seu retrato, conversando com ele, elhe contado a minha impaciência e o meu sofrimento, começava a calcular as horas que faltavam para acabar o dia, os dias que faltavam para acabar a semana, e as semanas que aindafaltavam para acabar o mês.
No meio da tristeza que me causara a sua ausência, o que me deu um grande consolo foiuma carta que ela me havia deixado, e que me foi entregue no dia seguinte ao da sua partida.
"Bem vês, meu amigo, dizia-me ela, que Deus não quer aceitar o teu sacrifício. Apesarde todo o teu amor, apesar de tua alma, ele impediu a nossa união; poupou-te um sofrimento e amim talvez um remorso.
"Sei tudo quanto fizeste por minha causa, e adivinho o resto; parto triste por não te ver,mas bem feliz por sentir-me amada, como nenhuma mulher talvez o seja neste mundo."
Esta carta tinha sido escrita na véspera da saída do paquete; um criado que viera dePetrópolis, e a quem ela incumbira de entregar-me a caixinha com o seu retrato, contou-lhemetade das extravagâncias que eu praticara para chegar à cidade no mesmo dia.
Disse-lhe que me tinha visto partir para a Estrela, depois de perguntar a hora da saída dovapor; e que embaixo da serra referiram-lhe como eu tinha morto um cavalo para al- cançar abarca, e como me embarcara em uma canoa.
Não me vendo chegar, ela adivinhara que alguma dificuldade invencível me retinha, eatribuía isto à vontade de Deus, que não consentia no meu amor.
Entretanto, lendo e relendo a sua carta, uma coisa me admirou; ela não me dizia umadeus, apesar de sua ausência e apesar da moléstia, que podia tornar essa ausência eterna.
Tinha-me adivinhado! Ao mesmo tempo que fazia por me dissuadir, estava convencidaque a acompanharia.
Com efeito parti no paquete seguinte para a Europa.
Há de ter ouvido falar, minha prima, se é que ainda não o sentiu, da força dospressentimentos do amor, ou da segunda vista que tem a alma nas suas grandes afeições.
Vou contar-lhe uma circunstância que confirma este fato.
No primeiro lugar onde desembarquei, não sei que instinto, que revelação, me fez correrimediatamente ao correio; parecia-me impossível que ela não tivesse deixado alguma lembrançapara mim.
E de fato em todos os portos da escala do vapor havia uma carta que continha duaspalavras apenas:
"Sei que tu me segues. Até logo."
Enfim cheguei à Europa e vi-a. Todas as minhas loucuras e os meus sofrimentos foramcompensados pelo sorriso de inexprimível gozo com que me acolheu.
Sua mãe dizia-lhe que eu ficaria no Rio de Janeiro, mas ela nunca duvidara de mim!Esperava-me como se a tivesse deixado na véspera, prometendo voltar.
Encontrei-a muito abatida da viagem; não sofria, mas estava pálida e branca como umadessas Madonas de Rafael, que vi depois em Roma.
Às vezes uma languidez invencível a prostrava; nesses momentos um quer que seja deceleste e vaporoso a cercava, como se a alma exalando-se envolvesse o seu corpo.
Sentado ao seu lado, ou de joelhos a seus pés, passava os dias a contemplar essa agonialenta; sentia-me morrer gradualmente, à semelhança de um homem que vê os últimosclarões da luz que vai extinguir-se e deixá-lo nas trevas.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Cinco Minutos - José de Alencar
عاطفيةCinco Minutos, assim como "A Viuvinha", foram escritos no início da carreira do autor. Assim como os outros romances caracterizados pelo romantismo ingênuo de Alencar, esses dois não fogem à regra, são feitos aos moldes de folhetim, curtos, quase in...