É uma história curiosa a que lhe vou contar, minha prima. Mas é uma história, e não umromance.
Há mais de dois anos, seriam seis horas da tarde, dirigi-me ao Rocio para tomar o ônibusde Andaraí.
Sabe que sou o homem o menos pontual que há neste mundo; entre os meus imensosdefeitos e as minhas poucas qualidades, não conto a pontualidade, essa virtude dos reis, e essemau costume dos ingleses.
Entusiasta da liberdade, não posso admitir de modo algum que um homem se escravizeao seu relógio e regule as suas ações pelo movimento de uma pequena agulha de aço ou pelasoscilações de uma pêndula.
Tudo isto quer dizer que, chegando ao Rocio, não vi mais ônibus algum; o empregado a quem me dirigirespondeu :
— Partiu há cinco minutos.
Resignei-me, e esperei pelo ônibus de sete horas.
Anoiteceu.
Fazia uma noite de inverno fresca e úmida; o céu estava calmo, mas sem estrelas.
À hora marcada chegou o ônibus, e apressei-me a ir tomar o meu lugar.
Procurei, como costumo, o fundo do carro, a fim de ficar livre das conversasmonótonas dos recebedores, que de ordinário têm sempre uma anedota insípida a contar, ou umaqueixa a fazer sobre o mau estado dos caminhos.
O canto já estava ocupado por um monte de sedas, que deixou escapar-se um ligeirofarfalhar, conchegando-se para dar-me lugar.
Sentei-me; prefiro sempre o contato da seda à vizinhança da casimira ou do pano.
O meu primeiro cuidado foi ver se conseguia descobrir o rosto e as formas que seescondiam nessas nuvens de seda e de rendas.
Era impossível.
Além da noite estar escura, um maldito véu que caía de um chapeuzinho de palha não medeixava a menor esperança.
Resignei-me, e assentei que o melhor era cuidar de outra coisa.
Já o meu pensamento tinha-se lançado a galope pelo mundo da fantasia, quando derepente fui obrigado a voltar por uma circunstância bem simples.
Senti no meu braço o contato suave de um outro braço, que me parecia macio eaveludado como uma folha de rosa.
Quis recuar, mas não tive ânimo; deixei-me ficar na mesma posição, e cismei que estavasentado perto de uma mulher que me amava e que se apoiava sobre mim.
Pouco e pouco fui cedendo àquela atração irresistível e reclinando-me insensivelmente; apressão tornou-se mais forte; senti o seu ombro tocar de leve o meu peito; e a minha mãoimpaciente encontrou uma mãozinha delicada e mimosa, que se deixou apertar a medo.
Assim, fascinado ao mesmo tempo pela minha ilusão e por este contato voluptuoso,esqueci-me, a ponto que, sem saber o que fazia, inclinei a cabeça e colei os meus lábios ardentesnesse ombro, que estremecia de emoção.
Ela soltou um grito, que foi tomado naturalmente como susto causado pelos solavancosdo ônibus, e refugiou-se no canto.
Meio arrependido do que tinha feito, voltei-me como para olhar pela portinhola do carro,e, aproximando-me dela, disse-lhe quase ao ouvido:
— Perdão!
Não respondeu; conchegou-se ainda mais ao canto.
Tomei uma resolução heróica.
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Cinco Minutos - José de Alencar
Storie d'amoreCinco Minutos, assim como "A Viuvinha", foram escritos no início da carreira do autor. Assim como os outros romances caracterizados pelo romantismo ingênuo de Alencar, esses dois não fogem à regra, são feitos aos moldes de folhetim, curtos, quase in...