Revelações

26 10 3
                                    

Recupero minha consciência e me vejo no quarto da pousada em que estou hospedado. O copo que eu joguei está estilhaçado no chão e o meu celular toca insistentemente.

— Oi — digo atendendo o celular ainda muito grogue por ter acordado de forma repentina.

— Carlos? Finalmente consegui falar com você! Não vai me dizer que você ainda está em Pancas? — como não respondi, ela entendeu, corretamente, que eu estava — Você tem que deixar isso pra trás meu irmão. Você tem que seguir com a sua vida.

— Eu já te disse Lia, ela quer que eu a encontre.

— Você ainda está tendo aqueles sonhos?

— Sim... Mas eu já te disse que eles não são sonhos, é muito mais do que isso. Eu sinto, ela está esperando por mim.

— Você realmente acredita que vai encontrá-la aí agora? Já faz dois anos Carlos. Se ela estivesse mesmo aí alguém já a teria encontrado. Volta pra casa. Você já faltou dois dias no trabalho, sabe disso não é?

Faltei dois dias!? Olho para a data em meu celular. Droga. Respiro fundo e respondo.

— Eu sei, você tem razão Lia — Minha cabeça está latejando, é difícil organizar meus pensamentos, a frustração é gigantesca —Já é hora de voltar para casa.

— Eu sei que está sendo muito difícil, mas você sabe que pode contar comigo, certo?

— Sim, sei disso. Obrigado maninha.

— De nada. É pra isso que servem as irmãs. Se cuida.

Desligo o telefone me sentindo vazio.

Há dois anos eu e minha noiva viemos juntos para Pancas, uma pequena cidade turística no interior do Espírito Santo em nossa viagem de férias, ambos adoramos esportes da natureza e ouvimos dizer que esta era uma ótima opção.

Depois de alguns dias aqui nós conhecemos algumas pessoas e eles nos convidaram para participar do voo livre que fariam. Fiquei empolgado com a ideia mas a Gabi disse que não estava se sentindo muito bem, que preferia descansar um pouco. Vendo como eu estava empolgado, ela disse que eu deveria acompanhá-los e que de noite nós nos veríamos.

Esta foi a última vez que eu ou qualquer de nossos conhecidos a viu. Buscas foram organizadas, cartazes espalhados, mas nada funcionou. Ela desapareceu sem deixar rastros. O que mais dói é não saber oque aconteceu, saber que eu não devia ter ido, saber que eu a abandonei.

Com um aperto no peito, procuro pela garrafa e bebo mais um generoso gole no gargalo. No fundo eu sei que nem toda a bebida do mundo me faria esquecer a dor que estou sentindo, mas o amortecimento é bem-vindo.

Em pouco tempo arrumo minhas coisas em minha mochila de acampar. Estou pronto para voltar para casa. Era o final da manhã e a rodoviária fica perto o suficiente para ir até lá a pé, o tempo está chuvoso e a paisagem, que antes eu achava maravilhosa, agora só aumenta minha tristeza.

Caminho com um passo ébrio e vagaroso, regado ao fim da garrafa de uísque. Recebo diversos olhares tortos pelo caminho mas eu simplesmente não me importo, a dor de me ver falhando novamente é muito imensa para que eu me mantenha sóbrio.

Ao chegar na rodoviária descarto a garrafa já vazia e descubro que o ônibus para Vitória sairá daqui a cinco minutos, uma notícia muito boa já que a espera poderia durar horas. Comprei minha passagem e me apressei para o setor de embarque. Então eu a vejo novamente.

Ela está do outro lado da rua, ainda vestida de princesa, ela me olha fixamente com grande aflição, balançando sua cabeça de um lado para o outro em um sinal negativo.

— Acho que eu já bebi demais — digo para ninguém em especial e continuo minha passada tentando ignorar aquela visão.

Mal consigo dar alguns passos e a vejo novamente, dessa vez ela está bem na minha frente, de olhos arregalados, claramente ultrajada, esticando o braço, apontando desesperadamente para o sentido oposto ao qual eu estou indo. Fico paralisado diante desta nova visão, aos poucos, o ultraje no rosto dela se transforma em raiva para logo em seguida se transformar em desespero enquanto ela desaparece lentamente, ainda apontando na direção oposta.

Isso partiu meu coração em mil pedaços. Foi a primeira vez que ela me apareceu fora de nosso "horário marcado".

Nos últimos seis meses tenho recebido a visão dela, sempre no mesmo horário, às quatro e quarenta e quatro. No começo eu pensei que era um sonho, mas depois de um tempo passei a acreditar que ela realmente estava ali e queria que eu viesse encontrá-la.

Sua aparição ficou imensamente feliz quando decidi vir e se manteve animada nos meus primeiros dias nesse maldito lugar. No entanto, já estou há mais de duas semanas aqui, procurei em todos os lugares mas não encontrei sequer uma pista de seu paradeiro.

Ver ela assim está fazendo eu questionar minha sanidade. Obviamente ninguém mais a viu, alguém reagiria ao ver uma linda mulher com um vestido tão chamativo bem no meio da rua. Será que tudo isso não passou de uma alucinação? Será que minha vontade de encontrá-la é assim tão forte que eu passei a projetar estas imagens em minha cabeça?

Escuto o barulho de um motor ligando e vejo que vem do ônibus que me tirará daqui, eu tenho que me apressar. Seguro com força a alça da minha mochila de acampar mas não consigo me mover.

Minha razão me diz que as visões não são reais, que isso deve ser efeito do luto, li em algum lugar que o primeiro estágio dele é a negação, nada mais natural do que eu me recusar a acreditar que ela se foi e que tudo não passou disto. Mas meu coração está pesado, ele grita que eu estou prestes a cometer o maior erro da minha vida, que ela está me esperando, que eu ainda tenho que encontrá-la.

Olho novamente na direção do ônibus e as últimas pessoas da fila estão embarcando, não há tempo a perder eu tenho que tomar uma decisão e depois disso não devo mais olhar para trás.

A quem estou tentando enganar? A decisão já está tomada. Minha vida sem ela não passa de uma casca vazia, voltar para a minha rotina jamais será o suficiente. Eu preciso encontrá-la e sei que jamais me perdoaria se eu não continuasse tentando, até o fim.

Salto de Fé (CONTO)Onde histórias criam vida. Descubra agora